terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Sete Dias, Dois Beijos


Foto por Julien Chaumet



                Regina caiu dura na faixa de pedestre. Uma bela queda em câmera lenta. Enquanto os joelhos se dobravam, o cabelo ruivo se punha a flutuar. Levemente, os braços se moveram um pouco para cima, fazendo-a parecer um anjo de vestido vermelho, preparando vôo em plena luz do dia. Mas logo se pôde ver que não era um anjo, pelo fato de ela não ter alçado vôo. Ao invés disso, ela caiu. Os joelhos beijaram o chão e amorteceram o resto do corpo, que logo caiu de lado na faixa.
                Uma pequena aglomeração de pessoas se formou ao seu redor, pessoas comuns, que não faziam a mínima idéia do que fazer naquele momento. E enquanto a vista ficava escura e ofuscada, Regina pôde ver dezenas de faces estranhas, faces cansadas e amarguradas. Sentiu-se bem. Viu que, mesmo morrendo, era mais feliz que todas aquelas pessoas que a cercavam. Felicidade! Afinal, o que é Felicidade?
                Já estava quase cerrando os olhos quando alguém cortou a pequena multidão, adentrando ao centro do circulo. Com pressa, ele se ajoelhou, pegou a mão de Regina e a beijou, do mesmo modo como um nobre cavaleiro beija a de sua donzela. Ela já estava com um sorriso no rosto, mas este se intensificou ao ver o rosto do rapaz, o amor de sua vida, um amor de sete dias que valeu por toda vida, um amor de sete dias e dois beijos. E o ultimo suspiro de Regina foi para dizer antes de sorrir e morrer:
                -Você veio! 


Matheus Menegucci

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Cantiga do Homem Só


Saudades, saudades de sentir
Saudades, saudades de lidar
Com tudo que vive aqui em mim
Saudades, saudades de lembrar

Saudades, saudades de você
Saudades, saudades de ninguém
Em busca do espelho pra me ver
E nele tentar achar alguém

Saudades de um tempo atrás
Saudades do que acabei de falar
Saudades da mulher que seca o pranto
Depois de tanto pedir pra eu ficar

Saudades do abraço que dei nela
Um segundo antes de a deixar
Saudades das novidades que eram velhas
E eu dizia não ter ouvido falar

Saudades, Saudades dela
Saudades, Saudades de Lá
Saudades de uma moça tão bela
Que eu nunca mais pude beijar



Matheus Menegucci

domingo, 9 de dezembro de 2012

Sereno e o Mar




                Os pezinhos do garoto balançavam, apontados para o mar, descalços e saindo de uma calça moletom. Era um dia frio, e nesses dias, sabe-se lá por que, o garoto gostava de sentar à beira do cais e ficar só observando o horizonte frio e congelado.
                Não havia muitos barcos ali, só um. “Sereno” era o que estava escrito na proa da pequena embarcação. O garoto gostava de barcos, principalmente daqueles pequenos à vela, como Sereno. Era possível ver um rapaz sentado no barco, do mesmo jeito que o garoto, com os pés apontando para o mar, pensativo.
                O rapaz do barco percebeu que o garoto estava olhando, mas não se importou, continuou observando o mar frio. Após um tempo, saiu da beira do barco e se aproximou do cais, desprendeu uma corda que prendia Sereno. Foi para dentro, ligou o motor e, antes que o barco começasse a se mover, saiu e acenou para o garoto, como que diz “Adeus!”.
                -Mas já? –Gritou o garoto enquanto se levantava com pressa - Por quê?
                -Pelo mar, meu amigo! –Respondeu o jovem astutamente - O Mar quer que eu vá!
                -O mar? Mas... Para onde ele quer você vá?
                A essa altura o barco já estava um pouco distante, os obrigando a gritar mais alto.
                -Como assim “para onde”? Ora, para o mar.
                Os olhos do garoto brilharam com a resposta, sem falar do arrepio que lhe subiu pelas costas. Então, lentamente, ele ergueu um dos bracinhos e acenou bem devagar, como se despedindo de um velho amigo. Não é fácil dar adeus a um irmão. E enquanto o jovem sumia no horizonte frio, algo ecoava na cabeça do menino:
                “Pelo Mar... Para o Mar!”


Matheus Menegucci

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ciano Ofuscante



                Cansou-se do mundo, viu que o céu não era tão azul, viu que aquilo não era um conto de fadas, “Que pena!”. A garotinha de cabelo azul-claro queria tanto acreditar que fosse, queria tanto viver onde pelo menos os personagens são diferentes uns dos outros, onde nem todos são robôs programados. Queria algum ato heroico, ou uma historia totalmente sem sentido que ao menos fosse menos... Monótona.
                E naquele dia, enquanto pulava amarelinha sozinha no parquinho e segurava pela perna seu coelho de pelúcia, algo diferente aconteceu, finalmente. Mas infelizmente, não foi algo bom, mas ela sabia que o final feliz só vem depois do drama e da tragédia. Era de tardezinha, faltava algo em torno de meia hora para o pôr do sol, mas o céu não estava com aquele tom bonito de se ver. Estava verde, como um rio poluído, e para completar a pintura, as nuvens eram amareladas e feias. O primeiro a cair era branco, fez um estralo alto ao se chocar com o chão, quebrando suas asas e o pescoço. O segundo caiu ao lado da menina, que por sua vez ficou apavorada. Olhou para o céu, o que viu era horrível, o peito apertava. Centenas de pássaros, brancos, negros, de todas as cores, caindo do céu, chocando seus corpos contra o chão frio de concreto. Estava horrorizada, podia fugir para não ver aquilo, mas decidiu ficar ali parada, agora olhando para o chão, sentido o gosto salgado das lagrimas que desciam dos olhos até a boca, ouvindo os corpinhos se estatelando no chão.
                Soltou o coelho de pelúcia, ele era amarelado e encardido, devagarzinho tocou o chão, agora empoçado com o sangue das aves, ficou manchado de vermelho escuro. O sangue dos pássaros, que se espalhava cada vez mais rápido pelo chão, havia “engolido” o coelho, e agora estava consumindo a garota, subindo por suas pernas, como se tivesse vida própria. Vermelho e escuro, já chegava ao joelho, ela nem se mexia, só tremia, não de medo, de raiva, não suportava ver criaturas inocentes morrendo, sempre quis ser um pássaro. A revolta e o ódio haviam consumido uma pequena criança inocente, os cabelos azuis agora também estavam sujos de sangue. Ergueu a cabeça, os olhos grandes, castanhos e brilhantes se destacavam no rosto sujo de sangue, tomou fôlego para gritar, gritar o mais forte que podia, e quando foi soltar o ar, fraquejou e caiu de joelhos.
                Ergueu os olhos e a cabeça, estava limpa, não havia sangue, muito menos pássaros mortos. Só um dia normal, preparando-se para o anoitecer. Os joelhos ralados beijando o chão, as mãos se esforçando para sustentar o peso do corpo imposto sobre elas, e o coelho jogado sobre a terceira casa da amarelinha, a garota estava de joelhos sobre a segunda. Pegou-o, e como se ele tivesse vida, abraçou o pequeno boneco de pelúcia. Os lábios finos e rosados da garotinha tremiam, e com um sussurro ela falou com o coelho:
                -Não deixe que nada aconteça a eles, por favor! Nem a mim...
                Engoliu o choro que estava prestes a sair, levantou-se e foi para o horizonte, rumo a sua casa, ao seu próximo sonho, pesadelo... Ou uma aventura real, surreal de um digno conto de fadas.



Matheus Menegucci


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Contos de Cadeira #1: INERTE


#1: INERTE

                Várias vozezinhas sussurravam desordenadas no ecoar de pequenos pezinhos estralando no escuro. Sonolentas:

                -Ele não parece triste.
                -Não parece feliz.
                -Não parece transparecer nada!
                -Ele fechou os olhos.
                -Não parece querer respirar.
                -Parece não sentir nada.
                -Alguma coisa ele sente!
                -Saudade...
                -Saudade de quê?
                -Saudade... Saudade de sentir!
                -Não parece ter saudade.
                -Não parece transparecer nada!
                -Os olhos ainda estão fechados.
                -Não parece querer os abrir.
                -É fraco.
                -Assim como todos os outros!
                -Não parece fraco.
                -Não parece transparecer nada!

                As vozezinhas se calaram, o escuro permaneceu, os olhos não se abriram... A dor não transpareceu.
                Não queria acordar. Prometeu para si, por muito tempo, não mais abrir os olhos.

BUDDA



sábado, 17 de novembro de 2012

O Garoto Branco



        Sentou-se em uma pedra a beira mar, com os olhos azuis quase brancos, ele contemplava a imensidão de água que se estendia diante dele. Era um dia frio, escuro de nuvens negras. O vento assoprava suave e frio, parecia cortar a pele branca do garoto. Era loiro, cabelo não muito comprido, alto e magro. Os outros garotos caçoavam dele por ser tão pálido, ninguém, nem ele mesmo, entendia o por que de tanta brancura, passava o dia todo sob o sol, estirado naquela pedra enorme, parecia esperar algo. Algo novo, diferente.
        Mas não era um dia de sol, as nuvens já haviam começado a gritar, ele olhou para o céu, sabia que não era uma chuva qualquer. Lá no horizonte, pôde ver a tempestade se formando sobre o mar, e em seguida as ondas grandes. E com um único grito o vento anunciou o caos. A chuva começou a cair forte e cortante, sem falar do próprio vento que assoviava nos ouvidos e levava placas e galhos de árvores. Ele continuou ali, sentado em sua pedra. As pessoas corriam na cidade, e logo uma pequena inundação começou. A chuva apocalíptica assustava a todos menos ao garoto.
        Então a onda gigante atingiu a cidade, derrubou casas, matou gente. E após tudo aquilo, uma fresta de sol surgiu, as poucas pessoas que sobraram nos tetos dos prédios que ainda ficaram de pé, choravam, lamentavam suas perdas, lamentavam estar vivos. E a pedra onde o garoto se sentava estava vazia, o mar já havia se acalmado, perdoou seu filho, e levou-o consigo. O garoto branco, filho do céu, filhou do mar.


Matheus Menegucci

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Duas Baleias e Quatro Versos Insignificantes



        Em meio a bagunça podemos destacar algumas coisas, além das milhares de peças de roupas espalhadas pelo trailer, como uma coleção de discos esparramada sobre a cama, um poster do Frankenstein meio enrolado sobre a mesa, e sobre ele, uma xícara fria de café. A pequena janela só deixava entrar algumas frestas de luz. Era estranho ficar de pé, parecia que o trailer estava flutuando, e de fato, estava.
        Foi realmente bizarro quando algumas peças de roupas começaram, lentamente, a flutuar, levantavam voo devagarinho, de repente alguns objetos, como a coleção de discos, também saíram do repouso e começaram a perder a gravidade. Demorei para perceber que as coisas não estavam voando, e que na verdade, o trailer estava caindo. Logo eu também flutuava, na mesma posição que estava, sentado, sem me importar. Assustei quando, bruscamente, pousei na cama, e todo o resto que flutuava também pousou. De repente a água começou a invadir o trailer violentamente, pelas frestas e buracos na lataria. Continuei do mesmo modo, observando, rindo, admirando a invasão da água em meu recinto.
        Demorou um pouco, mas logo a água já havia chegado ao teto e, consequentemente, o trailer afundava. Então, pela primeira vez, me movi, fui até a janela e observei o oceano, me devorando, me engolindo. Vi peixes, plantas e baleias... Ah! As baleias, cantavam com tanta naturalidade, a cantiga relaxante e ensurdecedora que só elas sabiam cantar. Haviam duas, uma adulta, outra filhote, mãe e filho. Nadavam bem devagar, como quem não se preocupa com nada, "como eu queria ser uma delas!"
        E elas cantavam...

"No fundo...
O escuro...
Um filho...
Prematuro..."

        O que aqueles versos significavam? Eram direcionados à mim? Fazia sentido, uma vez que minha vida se resumia ao escuro e a escolhas impensadas e precipitadas, ideias prematuras jamais realizadas. O que as baleias queriam me dizer? Não tive tempo, a água me puxou de volta e eu acordei... Seco, na terra, sem vida, sem resposta.


BUDDA

domingo, 4 de novembro de 2012

Um Lamaçal de Palavras (O Gigante Pt.2)


         Os dedos finos e curtos cravados na terra, o joelho atropelava o vestido sujando-o na terra fofa e úmida. A garota, que parecia estar chorando, ficou um tempo ali, ajoelhada, com os braços esticados e as mãos segurando o chão. O cabelo negro, que tomava um tom desbotado em meio ao dia cinzento, lhe cobria a face triste, pálida e delicada.
        Uma gota caiu lentamente e se esparramou pelo chão, por incrível que pareça, não era uma lágrima, e sim uma gota de chuva, que foi seguida de algumas outras, suaves e leves, daquelas que ainda não estralam. Então o primeiro chuvisco tocou sua nuca, e pela primeira vez pode-se ver o belo rosto da menina, que levantou a cabeça para perceber que a chuva começava a nascer. Seus olhos eram grandes e castanhos, e seu nariz tão suave quanto a boca pequena e natural. Outra gotícula tocou a garota, dessa vez em seu nariz, ela se assustou e, de súbito, abaixou a cabeça, logo a ergueu novamente, dessa vez para contemplar o céu, antes límpido, agora negro e pesado.
        Um trovão que surgiu no mesmo momento que o relâmpago, como se abrisse as portas do céu, fez que a água começasse a cair forte e raivosa, barulhenta e mortal em fração de segundo. As gotas pesadas e grossas ardiam nas costas da garota, que então havia abaixado a cabeça novamente e encolhido um pouco o corpo para se proteger inutilmente da chuva. A terra que antes envolvia seus singelos dedos havia se tornado lama, uma lama preta que manchou de escuridão seu vestido branco. Um grito alto e carregado se seguiu de uma brusco movimento em que ela puxou as mãos para o céu levantando o barro que respingou tanto no vestido quanto em seu rosto, então ela estava de pé, com os braços erguidos com um punhado de barro nas mãos, deu uns dois passos cambaleando na terra, com a cara sofrida, enquanto seus pés afundavam um pouco, então parou, abaixou os braços e jogou o barro no chão. Olhou para o horizonte, bem longe, embaixo de uma árvore, no fim do pequeno morro de terra, um homem. Trajava terno e carregava um guarda-chuva, daquela distancia não era possível ver seu rosto, saber se era velho ou jovem. Ela puxou o ar, deixando o cheiro de terra molhada invadir seu corpo, e então soltou, inspirou de novo e correu... Correu desajeitada, tropeçando nos buracos que seus próprios pés abriam no chão, dava alguns pequenos saltos e continuava a correr. Ele estava longe, parecia que ela nunca chegaria lá.
        Mas no meio do caminho ela caiu, não notou a enorme cova em sua frente e caiu la no fundo, o buraco estava um tanto quanto empoçado. Virou-se, ainda deitada olhou pro céu ainda negro. Mesmo aquilo sendo uma cova, era muito aconchegante, ela gostava do lugar úmido como estava. Então sorriu, ficou ali rindo como nunca antes, soluçava de tanto rir, a chuva ainda chicoteava seu corpo e ela só ria, tanto que ficou sem ar e teve que parar pra respirar um pouco, mas logo começou a rir de novo. Estava de olhos fechados quando uma sombra se ergueu sobre ela, era o homem, quando percebeu deu um salto para trás e ficou sentada no canto da cova. Ele era grande, maior que os homens normais, um pouco desproporcional. Ergueu uma de suas grandes mãos para a garota que, hesitou por um momento mas logo agarrou a mão do homem, que na verdade não era um homem, e sim um garoto. Ele a puxou e tirou-a do buraco, tinha o dobro do tamanho dela. Então os dois foram embora em direção ao horizonte, embaixo do grande guarda-chuva negro, em um dia negro, com trajes negros ou sujos da mesma cor. O Garoto das pernas metálicas e a menina que falava com a terra.


Matheus Menegucci
@MatheusLecter

PARTE 1: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/09/o-gigante-pt1.html

Pássaros


Meus pássaros
Não têm grades
Não têm gaiolas.

Meus pássaros
São todos livres
Pelo mundo afora.

No meu quintal tem uma árvore
Uma árvore bem grande
Onde muitos deles pousam
E jamais ganham um nome.

Meus pássaros
Não têm cor
Ou canto definido.

São de todas as raças
De todos os cantos
De além do céu infinito.

E apesar de todos eles
Estes não são versos felizes
Pois enquanto me escondo e me reprimo
Todos os pássaros são livres.

Este jardim não é meu,
Tampouco o chão no qual me sento
Pássaros voam para longe
Deixam vazio o sentimento.


Matheus Menegucci


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

As Rugas de Olga

Obra "Retrato de mulher velha" de Leandro Bassano.


        Olga preferiu se afogar nas próprias rugas do rosto. Não queria conversar com ninguém, nem olhar nos olhos de quem quer que fosse. Qualquer movimento fora do "comum" a irritava, as crianças brincando lá fora, os cachorros latindo a meio quarteirão de distancia. Olga, pobre Olga, velha e chata. Queria um tempo para si.
        Tinha uns quase oitenta anos, mas, enquanto se afogava no próprio rosto, se viu como uma criança, a garotinha inocente que foi um dia. Mergulhando em seu mar de lembranças, fazia de tudo para desviar das memórias de seu casamento, de suas "amigas", de suas tias e primas que tanto odiava. Não sobraram muitas lembranças após tanto desviar. Mas ali estava a unica que lhe importava, entre uma lembrança do pai e uma da mãe, estava a memória que ela procurava... A memória de si. A menina Olga.
        Por que procurou tanto por essa lembrança?
        Por que seria aquela a unica que lhe importava?
        Precisava lembrar-se de si mesma. Acreditava que há muito tempo havia se perdido, perdido sua essência. E agora que estava ali, de frente para a porta que a levaria de volta a seu verdadeiro eu, teve medo de entrar. Medo de que o arrependimento pudesse a sufocar, medo de perceber que não era nada além da casca do que um dia foi. Tinha medo de ver quem era.
        Olga não entrou, ficou refletindo por um tempo diante da porta de sua lembrança. Finalmente chegou a conclusão de que não valia a pena. Virou-se e foi embora. Deixou seu desejo para trás, descobriu que era o que era, e que não valia a pena ser o que foi, pois o passado se foi.
         Ela emergiu em seu rosto... E voltou a ser Olga.

Matheus Menegucci

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Batom Vermelho


Diga que não a ama
Diga que não a quer em sua cama...
Eu sei, você não consegue.

Diga que não a deseja
Que não pensa nela onde quer que esteja...
Eu sei, ela te persegue.

Todos os magnatas,
Todas as almas ingratas,
Todo esse alvoroço
Por um beijo no pescoço.
Todos os charutos,
Todos os insultos,
Todos falsos agrados
Por alguns míseros trocados.

Diga que não pensa nela
Diga que não quer mais velas...
Eu sei, é o que você mais quer.

Chame-a de objeto
Diga que não a quer sob seu teto...
Eu sei, ela é melhor que sua mulher.

Batom vermelho
Poses e cabelos
Belas peças de roupa
Mesmo que sejam poucas.
Homens de terno preto
Babando de desejo,
Querendo sentir o mel
Na boca dela está o céu.

Ela não te ama, e nunca vai te beijar
Você pensa que a usa, mas ela não se cansa de te usar.
Então abra sua carteira, pague pelo serviço,
Pague pelo "amor", pague por seu novo vício.
Ela é seu novo vício...
Ela é seu novo vício...
Ela é seu novo vício...
Um amor fictício...


Matheus Menegucci



sábado, 6 de outubro de 2012

Refração (Diário Andrógino "2")


        "Já disse que suas curvas me dão água na boca?"
        Eu estava nua e tímida, usando só a calcinha, sentia frio. Tremia a cada vez que ele apertava o pequeno botão e um flash saia da grande câmera. Estava de pé e meio encolhida no meio do estúdio fotográfico inteiro branco. Ele me elogiava, mandava eu perder a timidez.
        "Seja selvagem, querida, mostre seu outro lado!"
        Não queria mostrar meu outro lado...
        "Mostre o animal dentro de você!"
        Ele insistia tanto? Eu não queria.
        Por que tem tanta vergonha de mim? Querendo ou não, ainda sou você. Mesmo que tenha tirado do seu corpo o que um dia fui eu, tirou o que representava sua masculinidade, você "me" tirou do seu corpo, exteriormente, nunca pôde me tirar de sua mente. Eu nasci junto de ti. E não importa quantas modificações faça. sempre serei uma parte tua. Quanto mais feminina você se torna, mais a fúria de mim se apossa. Quanto mais mulher você é, mais real me torno.
        Então mostre seu outro lado... Eu!
        Não quero te mostrar!
        Mas precisa. Isso te alimenta.
        Me alimenta.
        Nos alimenta.
        É quente.
        Já não sei diferenciar qual de nós sou eu. Quem está do lado de fora agora?
        Nós dois...
        Somos um, como sempre fomos!
        Você gosta? Sim... Eu gosto... Te excita?
        "Queridinha, o que você pensa que está fazendo?"
        Flashes, flashes, flashes e Gritos!
        Nós somos um só! Isso nos dá prazer... Nos faz gemer!
        "Querida..."
        Sangue...
        E agora?
        Ele está morto...
        O que sou EU? 

Matheus Menegucci


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Reflexo (Diário Andrógino "1")


        Toque.
        Toque.
        Sinta na ponta dos dedos o vidro frio e liso do espelho. Na tentativa de alcançar o reflexo perfeito e narcisista de si, perceba que ele é impenetrável.
        Impenetrável...
        Não inquebrável...
        Então o quebre e corte suas mãos andróginas com os cacos de vidro que refletem sua beleza perfeita e seus traços transexuais quase que não notáveis. "Se não te conhecesse, pequeno monstro, diria que é uma mulher de verdade."
        "Pequeno monstro da vovó!"
        "E essas mãozinhas pequenas? E essa cara de menina?"
        Vire homem! Não sou um homem, sou uma mulher! Você não nasceu assim. Ou será que sim? Será que Deus cometeu um erro quando colocou aquelas bolas no meio de suas pernas? De qualquer modo, você as jogou no lixo.
       Afinal, quem é Deus?
        Por que estou falando comigo mesmo?
        Quem de nós dois sou eu?
        Quem somos de verdade?
        Nós somos de verdade?
        Existe nós? Ou sou só eu dando vida a parte de mim que matei?
        Quem sou EU?


Matheus Menegucci

Obra "De frente pro espelho" de Laura Santiago


sábado, 15 de setembro de 2012

Viela dos cacos de vidro



        Uma viela escura, úmida e quieta. carros barulhentos passam correndo sob a passarela onde três pessoas, desconhecidos, caminham lentamente."Corre vagabundo!" alguém grita com uma sinfonia de sirenes ao fundo. De um lado da estrada a moto destruída, do outro, o corpo sendo coberto por um plastico preto. Trânsito, poluição sonora, madrugada. O vidro se quebrando quebra o silêncio da viela, e então, passos apressados.
         Em algum lugar da cidade um grupo de amigos se diverte atirando coquetéis molotovs no asfalto deserto. Os olhos azuis de uma jovem encantada com o fogo. Os olhos de um garoto assustado, covarde. O olhar libertador do garoto que teve a ideia, um poeta, um gênio, um psicopata. E os outros olhos se divertindo com as chamas. Um casal briga no corredor do apartamento. A senhorinha de idade reclama. Um bebê chora. Um corpo fraco cai sobre os cacos de vidro da viela, respiração ofegante.
         Alguém dispara um tiro, mas o som da civilização se sobressai. Ninguém escuta. Uma festa. Fogos de artifício. Roupas brancas. Não é ano novo. Uma garrafa de vodka iluminada pela luz verde. Uma ponta de baseado sai voando após queimar o dedo de alguém. E a fumaça, em todos os lugares, em todos os pulmões, Fumaça. Fumaça de cigarro, de carro, de bomba, de tiro, de fogo, de festa, de maconha. Fumaça de uma cidade sem alma. Um grande homem se ergue sobre o pobre coitado na viela, aponta um .38, fala alguma coisa entre os dentes, cospe o charuto, faz um drama, vira e vai embora. O outro fica ali chorando, lamentado não ter sido morto essa noite. E eu, termino como comecei, no escuro de uma viela escura, úmida e quieta, observando e imaginado a cidade. Respiro e volto a pensar.



Budda

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O Gigante (Pt.1)


        Cambaleando de um lado para o outro, daquele jeito que já era próprio dele. O cabelo curto e negro escapava por debaixo do chapeuzinho preto no topo de sua cabeça. Rosto pálido. Terno preto.
        Algumas das pessoas que o viam na rua -E quando digo "algumas" quero dizer "A maioria delas"- Riam do seu jeito diferente de ser. Alguns disfarçavam um pouco, enquanto outros riam descaradamente. O problema é que suas novas pernas eram ligeiramente maiores que as antigas, talvez um pouco desproporcionais ao seu corpo. Também havia o fato de que ele ainda não tinha se acostumado com aquelas coisas metálicas. Mal conseguia se equilibrar. 
        Pobre jovem, todos riam dele, de suas pernas grandes e metálicas, do seu jeito de andar, falar e ficar de pé. Todos riam do garoto que que dava passos grandes demais.

Continua...

Matheus Menegucci

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O Pé Esquerdo



        Do portão, ela observava a casinha cinza. Cercada por uma cerca branca. A pintura descascada. As flores secas no jardim. Uma única janela aberta, a mais alta, que ficava no segundo andar. Era uma casa, digamos assim, estreita. Era alta e fina. O telhado formava um grande triangulo sobre a janela que estava aberta. A casa era cinza. O dia era cinza. A grama ainda era verde. Mas o verde não era “o verde”.
        Com as mãos magras, ela empurrou o pequeno portão, que rangeu feito um choro rouco. O primeiro passo foi lento, o segundo também, andava de forma meio desengonçada, mas sem deixar de ser elegante, trajava vestido preto e um véu marrom sobre a cabeça. Ela era enorme. O pé esquerdo tocou o primeiro de três degraus da entrada da casa. Logo tocou o segundo. E para que pudesse pisar com o pé esquerdo no tapete de entrada da casa, pulou o terceiro degrau. Estava ali, com a cara na porta, ergueu lentamente a mão pálida até a campainha, não tocou, preferiu bater na porta... “TOC TOC TOC...” Não houve resposta. Que para ela soava com “Entre”. Girou a maçaneta e entrou. A sala estava perfeitamente arrumada, uma organização de se admirar. Procurou com os olhos, sem sair do lugar, pelo primeiro piso, não havia ninguém. O que não era de se admirar, ela já sabia que Estella estava em seu quarto, no andar superior, o quarto com a janela aberta. Os passos na escada foram lentos, suaves e barulhentos. Deslizou a mão suave e elegantemente pelo corrimão de madeira. Um belo sorriso apareceu em seus lábios quando olhou para o chão e percebeu que seu pé esquerdo tocara no segundo piso antes do direito. Caminhou em direção ao quarto, mas em seu caminho havia um espelho, como já era de se esperar dela, parou para ajeitar o cabelo e alguns detalhes da roupa. A porta do quarto de Estella estava entreaberta, uma luz suave e agradável vinha de lá. A luz do dia. Empurrou a porta. Uma poltrona virada para a janela, a cabeça grisalha de Estella sobressaía. O pé esquerdo invadiu o quarto. O direito entrou e parou ao lado. Estella estendeu a mão para bater o ultimo cigarro no cinzeiro. Tossiu. A grande mulher se aproximou ainda mais lentamente e pousou a mão esquerda sobre o ombro direito de Estella.
        Ficaram ali por um tempo, as duas olhando a rua vazia, as flores secas, as rachaduras do chão lá fora. Depois de algumas horas, quando o céu já estava laranja, eles se olharam. Estella se levantou. De braços dados, desceram as escadas. Saíram de casa com o pé esquerdo. Caminharam pelo asfalto deserto até sumirem no horizonte. Mesmo com a guerra ardendo, a morte não teve a mínima pressa em levar uma velha amiga. Como sempre, fez seu trabalho calmamente. Como sempre, fria e carinhosa.

Budda

domingo, 2 de setembro de 2012

O Leito



        Só sei que naquela manhã, ainda cedinho, alguém disse que ele havia morrido. Fazia um bom tempo que estava moribundo, lutando o máximo contra a morte, silenciosamente. As vezes saia na rua, corcunda , sempre se segurando em alguém, sempre devagar. Era estranho vê-lo andando, de alguma forma minha mente já havia se acostumado a vê-lo sempre sentado em sua poltrona na varanda de sua casa. De alguma forma, eu não conseguia aceitar que um velhinho tão esguio e aparentemente fraco seria tão forte a ponto de ficar tanto tempo vivo.
        Não sei ao certo o que ele teve, talvez tenha sido uma doença. Talvez só velhice. Não faço a minima ideia de que idade ele tinha. Era baixinho, cabelos ralos e brancos, muito brancos, pele enrugada. Sua voz ainda ecoa em minha cabeça, mesmo que sem dizer uma palavra sequer. Lembro perfeitamente de quando ficávamos no banco ao lado de sua casa - naquela época em que ele e meu avô ainda eram amigos, não sei o que aconteceu para deixarem de ser - Ficávamos falando sobre tudo, sobre as coisas da vida dele na maior parte, até porque eu era só um garotinho, ainda não tinha vivido nada. Falávamos sobre musica, as vezes. Da minha casa, eu podia ouvi-lo arranhando, muito mal arranhado, alguma coisa no violino. Ficava horas tentando fazer alguma coisa decente em meio a notas desafinadas e fora do tempo. Mas eu gostava de ouvir, de algum modo a musica sempre me trouxe paz, mesmo que estivesse levando paz a outro. E então, naquela bela manhã de sol, "Ele morreu."
        Fico tentando imaginar, entre cenas e mais cenas, como teria sido a morte dele. Talvez ele tenha morrido ao dormir. Talvez tenha tossido até a garganta doer. Talvez tenha só fechado os olhos por um minuto e... Mas a minha versão preferida é a de que ele, deitado em sua cama ou sentado em sua poltrona, coberto por um cobertor, sentiu que era a hora, estava cansado de resistir, não disse nada, só relaxou o corpo, fechou lentamente as pálpebras e ficou pensando - se é que ainda tinha condições de pensar -, esperando a morte vir, respirando lenta e dificilmente, aceitando o toque frio, porem aconchegante da morte. Não se despediu, só reviveu todas suas lembranças, inclusive os momentos em que ficamos conversando no banco amarelo, e então já não estava presente, partiu, quieto, sem magoas.
        Realmente, ele não era uma pessoa próxima de mim, era o tipo de pessoa que esta sempre na casa de sua avó nos dias de festa, mas não uma pessoa que signifique algo. Mas de alguma forma, ele fez parte da minha infância, mesmo que somente com um simbolo, uma imagem. Vez vilão, vez mocinho. E da mesma forma, achei que ele nunca morreria, talvez por ter sido uma imagem, achei que tal imagem nunca se dissiparia, mas se desfez. Só ficou um sentimento vazio, mas que ao mesmo tempo não consegue ser triste, só vazio, e neutro. É estranho. Estranho aceitar que o violino nunca mais vai desafinar, que a imagem dele ali na poltrona na varanda não mais existirá de forma física, só mental, que essas pequenas coisas quase que insignificantes nunca mais me rodearão. Mas de qualquer forma, depois de tudo isso, depois de todos os pêsames e pesares... "Descanse em PAZ!"

Budda


quarta-feira, 25 de julho de 2012

À Sombra


        Eram só duas crianças, um menino e uma menina sob a grande arvore no campo, a tipica cena romântica dos filmes melosos, mas algo ali não parecia romântico,  primeiro que o dia estava pintado em um tom de cinza, a grama dos campos não era tão verde e chuviscava de leve. Mas quando digo que não parecia uma cena romântica, quero dizer que não parecia romântico do modo "padrão" de ser, pois a meu ver era, a cena mais linda vista pelos meus olhos, mas quem sou eu mesmo? Ninguém, exato, eu sou só o narrador, não vamos perder o foco. Mas o que fazia a cena tão bela, é que em meio a escuridão do dia, os dois corpinhos miúdos estavam de mão dadas, os dois miravam o horizonte, quietos, balançavam levemente as mãozinhas unidas e inocentes.
        Creio que ainda não mencionei, estávamos durante a Segunda Guerra Mundial, e lá no horizonte, era possível ver os "soldadinhos", e digo "soldadinhos" pois estavam longe, batalhando, e balas voando pelo céu, e aviões bombardeando. As crianças só observavam, frias, sem reação, pois sabiam que aquilo era um retrocesso de tudo que a especie humana já havia sido. Ali perto da arvore, não tão perto assim, havia uma casinha de madeira, toda perfurada de balas, a luz atravessa os buracos, alguns corpos do lado de fora, algo ali dizia que os soldados passaram exterminado os pobres, "Por quê?" Era só o que me vinha a cabeça, talvez fosse uma família de judeus, se bem que àquela altura da guerra, uma família de judeus não ficaria por aí "dando sopa", mas isso não vem ao caso. Voltando à cena principal, as crianças, debaixo da arvore, já não olhavam para o horizonte, para a guerra, estavam um de frente para o outro, o dia estava ainda mais cinza, o garotinho gesticulou com a mão dizendo para que a garota prestasse atenção, contou no dedos lentamente: Um, Dois, Três... E subiram a arvore ligeiramente, sentaram-se no galho grande, um ao lado do outro, e voltaram a observar a guerra.
        Em pouco tempo, o barulho dos tiros já havia cessado, ao longe, o campo de batalha coberto de corpos, não sei dizer exatamente que lado venceu, mas isso é irrelevante. No galho, os dois, achei estranho estarem cada um segurando uma corda com um laço. Repentinamente eles viraram um para o outro, simultaneamente, balançaram a cabeça como quem diz "Sim", a garota passou o laço no pescoço do garoto, que fez o mesmo nela, abraçaram-se, o garoto novamente contou bem devagarinho com os dedos até três...1, 2, 3... Então lá estavam dois corpinhos no escuro, perdurados à forca, balançando levemente de um lado para o outro, em um por-do-sol escuro e cinza, duas sombrinhas pairando no crepúsculo preto e branco, simbolizando cada erro da especie, cada gota de esperança que foi jogada aos animais, simbolizando o começo, por serem crianças, e o fim, por estarem mortos... Simbolizando a forma distorcida que o homem se transformou.

Matheus Menegucci


quarta-feira, 30 de maio de 2012

Aos que fingem não ver...

E o que nós fazemos com aqueles que precisam?
E o que fazemos com quem não tem nada?
E aqueles que nos roubam só para serem mais felizes?
Por que julgar quem sabe que a fé não está do seu lado?
Sociedade podre, cheia de vermes.
E todos aqueles que estão no lixo, são que os que se dariam bem no topo...
E todos aqueles que estão no lixo, la permanecerão, até apodrecerem...
Até o fim.

           -Hanna Brito

segunda-feira, 28 de maio de 2012

UM (Pt. 4) FINAL

Parte 1:http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-1.html
Parte 2:http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-2.html
Parte 3:http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-3.html

UM (Pt. 4) FINAL

        É incrível como de súbito meu mundo ficou silencioso e feliz, nós não falávamos, não tínhamos nomes, e nem nos importávamos com isso, eu podia muito bem ensiná-la a falar, mas percebi que seu silêncio era mais sincero que qualquer palavra que um dia foi dita no velho mundo. Eu aprendi tanto com com ela, finalmente me lembrei de como era ter uma família, aprendi a ler olhares, nosso único meio de comunicação.
         A nossa rotina era simples, acordávamos cedo e logo saíamos para explorar o que um dia foi a cidade, corríamos por prédios e destroços, subíamos nas árvores, ficávamos horas buscando memórias, objetos esquecidos, inventando vidas para seus donos, nunca dissemos uma única palavra um ao outro, mas eu sabia que ela tinha a mesma mania que eu, de dar vida a pessoas que não existem, de imaginar um universo paralelo onde a vida existia e crescia em paz, e de algum modo, o mundo havia se recuperado, agora a vida crescia em paz, a céu era azul, e tudo era verde e dominado pela natureza que cresceu além do comum, as arvores superaram os prédios em questão de poucos anos, ou talvez tenham sido muitos anos, eu já não contava, mas podia perceber claramente que estava envelhecendo, minha pele já estava ficando enrugada, mas nunca me senti tão vivo, e o mesmo acontecia com a garotinha, ela cresceu, mas ainda era uma criança, inocente e condenada a eternizar sua presença em um mundo onde a vida começava a florir novamente, mas já era tarde para a raça humana. Voltávamos para nossa "casa" no por do sol, exaustos, o céu escurecia e finalmente dormíamos, acordávamos sempre no mesmo horário, e refazíamos o ciclo, eu tratava seus ferimentos quando ela se machucava, do mesmo modo como ela tratava os meus, era um modo muito bom de aproveitar o resto da vida antes de cair no esquecimento eterno, antes de virar mais um fóssil que viria a ser estudado por uma especie mais avançada, que diria que nós eramos apenas primatas que não evoluíram o suficiente para sobrevier na terra.
        Eu dormia perfeitamente todas as noites como uma pedra, não e lembro de ter sonhos, só dormia à noite, acordava pela manhã e vivia o resto de minha vida. Uma noite fiquei refletindo sobre o que aconteceria com a garota quando eu morresse, o que ela iria fazer? Seguir só? Como fizera antes de eu chegar,  ela se acostumaria com a solidão novamente? Eu fiquei pensando por tanto tempo que caí no sono, mas na mesma noite acordei suando frio, sem ar, sufocado, pensei que aquilo era um pesadelo, e talvez realmente tenha sido, olhei ao meu redor, ela não estava lá, assim como os móveis que ali estavam, não havia nada lá, só o buraco e eu, me levantei, fui para fora, olhei em volta a cidade iluminada pela lua, saí em busca dela, corri pela cidade, pelos mesmos lugares que costumávamos correr, mas eu estava tão cansado, me sentindo fraco, me sentindo velho, voltei, me deitei no chão frio, uma lagrima escorreu levemente pelo meu rosto, eu dormi. E no dia seguinte acordei, na mesma hora de sempre, estava tudo em seu lugar, os moveis, a arvore, e inclusive a garota, meu sorriso se abriu tão largamente, ela me viu sorrindo e retribuiu com seu sorriso branco, seus dentes eram imaculados, nem parecia viver nas condições que vivia, e lá fomos nós, explorar nossa cidade, o rei e a rainha sorrindo pela cidade verde. Mas a cada dia que passava o verde se empalidecia, parecia que o cinza queria dominar o mundo de novo, e logo, pouco a pouco, a garotinha parou de sorrir, nós paramos de correr, a monotonia seguida do tédio nos dominou, ou me melhor me dominou...
        É engraçado, eu fiquei tanto tempo buscando alguém, e eu encontrei, mas logo perdi, foi triste acordar um dia e perceber que ela não estava lá, como naquele pesadelo, que de fato não era um pesadelo, era a realidade tentando abrir meus olhos, a garota nunca existiu, eu a criei, assim como criei milhares de personagens a partir de lembranças mortas e esquecidas, eu a criei para aquecer minha solidão, para não me sentir tão só em meu leito de morte, mas por que eu a deixei partir da minha mente? Tudo bem, ela nunca existiu, mas foi a única ilusão que me trouxe algo de bom, que fez meu tempo passar, que fez eu me esquecer que o mundo havia acabado, me fez acreditar que a vida estava florindo, a vida nunca floriu novamente, a cidade não foi dominada pelo verde, foi doloroso acordar e ver que o mundo ainda era cinza, que as arvores ainda eram fracas e os frutos não muito saudáveis, após tantos anos vivendo uma ilusão, acordei e vi que não só a especie humana como também a vida em geral havia chegado ao fim, o planeta chegou ao seu limite. A garotinha não estava lá, nós nunca fomos DOIS, sempre houve apenas UM, apenas eu, só, tentando manter minha existência quase imperceptível, tentando não me esquecer de mim mesmo, tentando não cair em meu próprio esquecimento, tentando existir em um mundo onde nada mais existia. Eu me sai muito bem inventando pessoas, inventando historias pessoais e memorias artificiais. E então eu estava só, como eu sempre estive, a flor de fogo já não era tão intensa para mim, a lua não tinha mais brilho em minha vida, e eu continuei seguindo, e seguindo, só, seguindo como um cão, indo para o nada, indo para o horizonte, já não buscava nada, só andava, moribundo, até que me sentei em um poltrona vermelha que eu achei em uma velha casa, e aqui estou, sentando, observando o cinza que sobrou do mundo, que sobrou da vida, esperando o fim, o meu fim, o último homem, o ultimo ser racional da terra, o ultimo a deixar a vida, aquele que foi desde sempre, UM...


sexta-feira, 25 de maio de 2012

UM (Pt. 3)

Parte 1: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-1.html
Parte 2: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-2.html

UM (Pt. 3)

        E então chegamos ao momento mais memorável dessa jornada, o acontecimento que viria a aquecer minha solidão. Eu não sabia que cidade era aquela, era tudo desconhecido para mim, ficava observando as grandes raízes crescendo por entre os prédios e arranha-céus, a enorme cidade já estava dominada pela natureza, o verde crescia pelos destroços do velho mundo, foi a primeira vez em anos que eu vi o céu azul, puro e limpo, o mundo estava se recompondo, logo viriam novos seres vivos, novas evoluções, e o ser humano seria instinto. Caminhei por um tempo pela cidade, até que em um ponto eu parei para descansar, olhei a minha volta, estava tudo silencioso como já era de se esperar, sentei em um calçada e fiquei por um tempo pensando, tentando me lembrar do meus amigos, da minha família, do mundo, tentando me lembrar de como era minha vida antes de tudo isso, mas de algum modo eu não lembrei, talvez por ter ficado muito tempo tentando imaginar sobre a vida de pessoas que já estavam mortas, tentado reconstruir suas lembranças em minha mente, eu me esqueci de mim, eu esqueci de quem eu era, as vezes ainda tenho curtas lembranças da minha infância, mas nada realmente relevante sobre mim, eu passei tempo demais guardando objetos que não eram meus, eu fiz de mim um personagem sem historia, mergulhado em conto alheios e lembranças que nem ao menos eram minhas, eu não tinha nome, um dia eu tive, mas naquele momento eu já não me lembrava do meu, e isso não fazia importância, eu estava só, não precisava de um nome.
        Mas de repente o silencio é quebrado pelo som suave de um pequeno galho se quebrando, e o mesmo som é seguido de passos apressados, me virei rapidamente, e la estava, a uma distancia razoável, no chão, um pequeno galho partido em três pedaços, em levantei apressado e corri na direção dos passos, ao virar uma esquina só pude ver um vulto virando em outra, eu continuei a perseguir, sem saber se era real, ou se era apenas uma ilusão da minha mente cansada, então eu me vi em uma praça, a tipica praça de centro da cidade, não era tão grande, os destroços de prédios se destacavam, também haviam muitas árvores e raízes enormes, só então eu a vi, de costas, longos cabelos loiros para um pequeno corpo, era uma garotinha de uns sete anos, eu me aproximei, lentamente, para que ela não se assustasse, mas quando eu finalmente cheguei perto dela, ela saiu correndo mais uma vez, também comecei a correr,  logo a alcancei e a segurei pelos ombros, eu estava de joelhos, o olhos azuis dela fitavam os meus, não parecia estar assustada, ma também não transmitia muita segurança. Me lembro de ter perguntado seu nome, ela não respondeu, perguntei se haviam outros, ela continuou quieta com cara de duvida, só então eu entendi, ela não sabia falar, nem sabia o que as palavras significavam, mas eu estava tão feliz de ter encontrado alguém, eu a abracei, mesmo sem saber que era, de onde viera, eu nem ao menos sabia se ela era real. Mas naquele momento ela também se sentiu bem por eu estar ali, eu a soltei, e então ela agarrou minha mão e começou a me puxar, estava me levando a algum lugar, e eu fui, não tinha nada a perder. E então, chegamos a sua casa, não era bem uma casa, era um buraco embaixo de um monte de destroços, mas era lindo, a luz podia entrar e iluminar quase todo o local, havia água, uma grande possa havia se transformado em um pequeno lago, em um canto havia a raiz de uma enorme arvore, alguns frutos que caiam dela iam parar direto na casinha improvisada da garota. E ali, em um outro canto, havia uma caminha, sobre ela, um boneco de madeira feito a mão, talvez tenha sido feito por seus pais antes de partirem, e o que me fazia acreditar nisso era uma foto de família, a mãe, o pai e a garotinha, todos sorridentes na época em que o mundo ainda era mundo, na foto, a garotinha era bem menor, devia ter uns três anos ou menos.
        E agora eu não estava só, eu cuidei dela, ela cuidou de mim, eramos como pai e filha, eramos melhores amigos, nó brincávamos e riamos, mesmo sem nunca dizer uma palavra. Naquele momento nós eramos DOIS, mas logo o mundo desabaria mais uma vez...


quarta-feira, 23 de maio de 2012

Um (Pt. 2)

Parte 1: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/05/um-pt-1.html

UM (Pt. 2)


        E meu passos ecoavam em cada viela, em cada prédio que ainda ficara de pé, cada destroço pelo qual eu passava me fazia lembrar do dia em que tudo ruiu. Eu não sei dizer exatamente como tudo aconteceu, como o mundo ficou assim, eu só lembro das pessoas correndo enquanto as casa se partiam ao meio, a cidade já era cinza, machada pela poluição, que foi umas das principais causadoras desse belo incidente. Alguns homens tentavam salvar suas famílias, ajudar pessoas a saírem de casa antes que a mesma desabasse, muitas foram soterradas. Os tremores que estavam destruindo a cidade, foram ocasionados por um incidente em um projeto industrial do governo, "uma fonte de energia totalmente nova e ecologicamente correta!" Era o que os lideres diziam, mas um dia, um acidente ocorreu, a maquina, que ficava no subsolo, se superaqueceu e liberou uma onda magnética extremamente forte na terra, ocasionando assim a destruição de tudo que um dia foi construído pelo homem. Mas mesmo assim, a maioria sobreviveu, todos pensavam que o acidente havia ocorrido somente naquela cidade, mas logo ficamos sabendo que não, o mundo inteiro foi atingido. Dentro de poucos meses, a metade da população mundial foi perdida, em um ano, poucos ainda estavam lá, alguns andavam em grupos, armados com facas e canos, eles caçavam, mas quase não havia animais para se caçar, e quando não sobrou nenhum, o ser humano virou seu próprio alimento, caçadas canibais, mortes sangrentas, todos haviam enlouquecido, mas nem todos eram canibais, havia um grupo de pessoas como eu, que comiam o pouco q ainda restava em supermercados e bares, mesmo q já estivesse vencido, mas mesmo assim, era difícil encontrar comida, por isso a maioria preferia sair e caçar. Mas logo todos já estavam mortos, os corpos dos que morreram de fome serviram de alimento para os poucos que sobraram, e estes foram matando uns aos outros até que não sobrou nenhum, a comida era escassa, confesso que cheguei a comer carcaça de gente, os peixes foram mortos pelo lixo toxico, os animais terrestres pela caça e pela fome, mas após três anos, a natureza começou a florir novamente, ele sempre esteve lá, mas nunca dava frutos, era minha nova fonte de alimento, era puro e natural.
        E lá estava eu, anos depois do "Fim do Mundo", passava o dia escutando musicas por um fone que só funcionava de um lado, eu não tinha um gosto musical predileto, eu simplesmente ouvia o que começasse a tocar, tinha muitas musicas no velho aparelho, que por algum motivo misterioso nunca descarregava, talvez as suaves ondas magnéticas o mantivesse carregado, não sei se faz muito sentido, eu não entendo muito bem sobre eletrônicos e coisas do tipo. Caminhava, na falta de um veiculo que funcionasse, usava meus pés, já calejados de tanto andar, passava por cidades e cidades, devastadas e cobertas de lembranças mortas, fragmentos de historias que nunca mais seriam contadas ou vividas. Memorias que logo seriam esquecidas por mim, e cairiam no eterno esquecimento, o mesmo lugar ao qual eu estou predestinado.


Matheus Menegucci


terça-feira, 22 de maio de 2012

UM (Pt. 1)

        A flor de fogo brilhava no horizonte, cada raio de luz que dela vinha, iluminava as ruínas do que sobrou do mundo, que agora era cinza e destruído pelo homem. Seu brilho pintava de um intenso laranja o céu, me fazendo acreditar que talvez eu não tenha sido o único, o único a sobreviver, o único a presenciar a flor de fogo poente. Eu podia respirar, eu queria respirar, eu respirei, enquanto a luz intensa atravessava meu corpo e minha alma, eu me senti aquecido. Mas logo o céu já não era laranja, estava dominado pela escuridão, e a flor já não reinava sobre o céu, ela me deixou sozinho outra vez, no escuro, ouvindo a minha própria respiração, eu quis chorar, senti o frio novamente, e mais uma vez pensei estar sozinho no mundo, condenado a vagar em busca de nada, caminhar sobre os destroços do que um dia foi a civilização, o ultimo, aquele que mesmo estando vivo, não teria a quem contar a historia, não teria alguém para abraçar, ou simplesmente dizer "oi".
        Mas logo percebi que o escuro não era tão negro quanto pensei, algo ainda iluminava o local, eu me virei, e lá estava ela, na ponta céu, brilhando de um modo como eu nunca havia visto antes, a lua, em sua forma mais majestosa, cheia de luz, cheia de vida, cheia. Por algum motivo me senti culpado por nunca ter reparado o quão bela e poderosa ela podia ser, só naquele momento, em um mundo pós apocalíptico, pude perceber sua grandiosidade. Se me recordo bem, quando eu era pequeno e estava na escola primária, minha já falecida professora dizia que a lua só brilhava por que o Sol a iluminava, só então eu pude ver que não estava só, o Sol, minha flor de fogo, mesmo não estando brilhando do meu lado do mundo, iluminava a lua, ele ainda estava lá, para me fazer acreditar que talvez haja vida, que talvez haja alguém lá fora, um animal que seja, alguém em quem eu possa confiar, para que eu não me sinta só, alguém.
        Ainda estou só, caminhando incansavelmente em busca de algo que eu nem ao menos sei se está lá, e onde é "Lá"? Mas continuo, apesar da dor, das duvidas, das pedras. Eu continuo, juntando as memorias daqueles que já se foram, pegando suas fotos e imaginando como deve ter sido sua vida. Eu sigo, sozinho, comigo, acreditando não ser mais UM...


quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Sopa

A Sopa

        O apartamento cinzento de quatro cômodos era realmente bem apertado, úmido e desconfortável. O marido assistia ao jornal na pequena televisão mal sintonizada, já a mulher estava na cozinha, preparando o jantar. Na verdade a cozinha e a sala onde o homem estava eram o mesmo cômodo, separados apenas por um pequeno balcão que eles usavam como mesa. Havia uma enorme infiltração no teto, a luz fluorescente amarelada vinda de uma lampada encardida dava dor nos olhos inicialmente, mas logo se acostumavam, eram pobres de dinheiro e pobres de espirito, eram pobres de vida.
        Do cômodo onde estavam, era possível ouvir o choro de seu filho retardado (Já me desculpando pelo uso do termo), os gritos infantis sovam de uma maneira tão estridente e irritante, o homem, que fumava seu cigarro enquanto assistia a televisão, estava ficando impaciente e nervoso.
        -Por que que esse merdinha não cala a boca?- Esbravejou.
        A mulher fingiu não ouvir o que o boçal do seu marido havia dito, simplesmente continuou a picar os legumes e colocá-los na sopa. A criança continuou com seu choro "demoníaco", o pai, que já estava extremamente nervoso sem poder ouvir uma unica palavra do seu jornal, levantou-se e foi ao quarto do bebê, a mulher só ouviu o som das palmadas e dos gritos abafados.
        -Cala essa boca seu merda! Você nem ao menos é humano! Eu não gosto de você, Deus não gosta de você...
        A mulher só mordeu os lábios e segurou as lagrimas, sabia que se questionasse o marido estaria morta, ou em um estado bem próximo à morte. O marido voltou, olhou com os olhos e o rosto vermelhos de raiva para a mulher, que estava forçando uma expressão neutra. Ele se sentou novamente no sofá e voltou a assistir o jornal, a criança ainda chorava, porém mais baixo, o pai batera tão forte que não restara muitas forças para chorar.
        A mulher, que ainda preparava o jantar, deixou que uma lagrima escapasse, e em seguida outra, lagrimas que caíram na sopa, foi então que ela tomou coragem e abriu a boca:
        -Amor... -Disse enquanto arrastava a mão para uma faca- Vem aqui experimentar a sopa!

        E lá estavam, a mãe suja de sangue e o filho deficiente, tomavam a sopa com uma vontade que dava gosto, sopa que por sua vez estava deliciosa, a mãe comia um pouco, dava mais um pouco na boca da criança, que comia com prazer, o sabor, o aroma, a sopa estava ótima. A mulher olhou para baixo e viu o corpo do pai, faltava um membro, mas ainda era o suficiente para fazer sopa pelo resto do mês.

Budda
     

sábado, 28 de abril de 2012

Luz Pálida

Luz Pálida 

      Amanheceu, um belo dia, a luz pálida da manhã entrava pela janela entreaberta, pássaros lá fora, a casa imersa em um silencio imutável e assustador. Ela podia ver no chão uma fileira de formigas que seguiam em direção á um buraco minusculo na parede. Ela parecia estar tão pálida e anestesiada, fechou os olhos brevemente e logo os reabriu, estava tonta, parecia uma ressaca. Desceu as escadas, seus ossos estalavam a cada passo dado, ela não se recordava de nada da noite passada. Chegou á cozinha, pensou em tomar café como fazia todas as manhãs, mas nesse dia em especial, ela não estava com nenhuma fome, e além disso, estava com uma dor de cabeça insuportável, "O que diabos aconteceu ontem a noite?"
        Sem ânimo, sem energia, ela ligou o antigo rádio que ficava na cozinha, mas esse só chiava, nenhuma estação, nada, chegou a pensar que já estava muito velho e havia parado de funcionar, mas logo se lembrou que há pouco tempo mandara consertá-lo, de qualquer modo, ela o desligou e se deitou no sofá da sala de estar, o dia estava quieto e sonolento, tédio. Ela ficou ali no sofá por uns minutos, pensativa, "O que foi que eu fiz? O que eu fiz?" De repente, passos lá encima, ela se levantou e foi ver o que era.
        -Tem alguém aí?
        Não houve resposta, ela continuou seguindo para o quarto de onde vieram os passos, abriu a porta, era só um comodo pequeno e vazio, mas o que era aquilo no canto inferior da parede, haviam oito grupos de cinco riscos riscados, aquelas marcas que prisioneiros fazem para indicar há quanto tempo estão presos. Quarenta dias, era isso que estava na parede.
        -Quem fez isso? Por que eu não me lembro de nada?
        Ela se perguntava sem parar, sua dor de cabeça estava tão forte, ela estava tão confusa. Ela se virou, "O que?", a porta estava trancada, bem trancada, "O que diabos é isso?", não importa quanta força ela fizesse, a porta não se abriria.
        -Tem alguém aí?- Ela podia ver a uma sombra pela entrada de luz embaixo da porta- Me deixe sair! Droga!
         Ela gritou, esmurrou a porta, a sombra continuou parada, então ela parou de reagir e se sentou ali no canto, ela pode ver a sombra saindo lentamente, após um tempo ela se levantou, uma ultima tentativa sem esperança de abrir a porta, ainda estava bem trancada, ela se sentou no mesmo canto, se encolheu com frio e medo, ficou la por um tempo, e quando percebeu que havia escurecido, marcou na parede mais um risco e adormeceu, 41 dias. E o ciclo se repete com ela acordando na cama em um belo dia.

Budda

     

sábado, 14 de abril de 2012

A Taberneira Infernal e Seus Amores



Esse conto é a continuação dos seguintes contos:

Irmãs Sem Nome: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/02/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x.html
Fetiches, Propostas e Verdades: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/02/fetiches-propostas-e-verdades.html



A Taberneira Infernal e Seus Amores

        -Mais uma, filhas da puta ...
        A taberna era mal iluminada e úmida, sozinho em sua mesa, um homem com barba e cabelo enormes e mal cuidados, pedia gentilmente, com sua voz rouca, mais uma dose de Whisky, não era muito velho. Da sua mesa ele podia ver todos os presentes, em uma mesa encostada na parede, havia um homem de meia idade, seu cérebro estava exposto e ele comia petiscos na tampa do próprio cranio, do outro lado, sentado no balcão, havia outro homem, tinha um enorme buraco na parte detrás da cabeça, resultado de um tiro, que ao entrar faz um pequeno buraco, mas ao sair faz um estrago notável. Mais a frente, perto da porta, um jovem extremamente magro, com varias cicatrizes no corpo, tomava sozinho uma garrafa de Gim. O homem sabia que ele e todos os presentes no local estava mortos. O barman, segurava um enorme tridente, era possível confundi-lo com o diabo, ainda mais por seus pequenos chifres saindo de sua pele pálida, mas não era o diabo. Uma garçonete demoníaca, e extremamente gostosa, levava a garrafa de Whisky que o homem pedira, ao chegar, o homem simplesmente disse:
        -Muito obrigado senhorita- tentando ser cavaleiro do seu jeito rude.
        Ele tentava se lembrar de como havia morrido, mas não se lembrava de nada. Estava com uma dor de cabeça infernal, sem querer fazer trocadilho, ouvia até o barulho minimo do barman limpando os copos sem parar, aquele pano nunca parava de lustrar e lustrar os copos, ouvia o homem sem maça cefálica mastigando seus petiscos, ouvia a bebida descer pela garganta do jovem fetichista, a tosse do homem no balcão nunca cessava, era cada vez mais alto, mais profundo, estava dentro da sua cabeça, cavando um buraco em sua mente, profundo, profundo, de repente a portinhola dupla de saloon abriu com outro homem sendo arremessado para dentro do bar, um velho de bengala se levanta, não tem um pé, em seu lugar há uma bela perna de pau daquelas que piratas usavam, o velho rabugento vai mancando até o balcão, tira uma arma e atira na cabeça do homem que ali sentava, quando o homem cai o velho se senta em seu lugar, e comenta:
        -Ninguém senta perto de mim.
        O homem, que agora tinha dois buracos de bala na cabeça, se levanta e vai se sentar em uma mesa, o velho pede uma dose. A dor de cabeça agora tinha parado, todos estavam bebendo e rindo sozinhos de algo, menos o homem do canto, que ainda estava refletindo sobre sua morte. Após um tempo, o homem com buracos na cabeça sentou-se junto ao homem com o cérebro exposto:
        -Então, como você morreu?
        -Acho que eu fui atropelado, sei lá, eu só sei que minha massa cefálica saiu voando por uns cinco metros. E você amigo, como é que você morreu?
        O homem só virou a cabeça um pouco, para que o outro pudesse ver o enorme buraco.
        -Huh! Isso doeu?
        - Na verdade eu nem senti, eu estava lá, uma vadia apontando uma arma pra minha cabeça, de repente, PUM, eu estava aqui.
        -Vadia? Que vadia?
        -Minha mulher- O homem estava rindo- Ela descobriu que eu comia a sobrinha dela todo final de semana.
        Nessa hora todos riram, inclusive os que não participavam da conversa, o velho que havia tomado o seu lugar disse, orgulhoso do homem:
        -Isso mesmo rapaz, tem que aproveitar enquanto elas são novinhas- Logo depois disso ele soltou uma gargalhada fraca e rouca de velhos fumantes.
        -Por falar em Sexo- Começou o jovem magro- A ultima coisa que eu fiz antes de morrer foi sexo, eu transei a noite inteira, e quando eu tava acabando, o diabo chegou e fez eu vender minha alma pra ele. (Fetiches, Propostas e Verdades) 
        -Então, você também vendeu sua alma?-Disse o barbudo, que até então estava quieto- Eu vendi minha alma também, só não me lembro como... Eu tento me lembrar, mas não vem nada à minha mente.
        -Hum!- Começou o velho- Isso não importa agora, afinal não tem como voltar atrás, você está aqui no inferno com a gente, é isso que importa.
        -Claro- Disse ele finalizando outra garrafa, gritou- Mas uma aqui pra mim!
        -Essa por minha conta- Disse o velho amigavelmente totalmente interessado no caso do homem.
        Após um tempo bebendo e conversando sobre suas mortes, todos se sentaram em uma só mesa, de algum modo, agora todos eram "amigos", e após muita conversa o jovem magro disse:
        -Eu acho que está faltando uma mulher aqui.
        Todos concordaram rindo como Vikings tarados na idade media, no mesmo momento a garçonete disse:
        -Isso não é problema!
        Ela se despiu mostrando seus seios perfeitos, seus pequenos chifres eram assustadores, mas era exitante de qualquer forma, ela subiu na mesa e dançou para todos, todos estavam exitados, menos o barbudo, ele não era gay, só não estava interessado. O jovem viciado em sexo estava vidrado naquela forma sedutora que expressava perfeitamente o que é o pecado, sua boca enorme, seus dentes pontiagudos, seu rabo que batia na cara dos homens, o barbudo continuava olhando para o copo de bebida, pensativo, "como eu morri?". O jovem, que já não aguentava mais de tanta excitação, saltou sobre a mesa, jogando a dançarina no chão selvagemente, ele era como um animal, e àquela hora já estava domada, ele tirou as calças e começou, ele fazia sexo com ela, ela retribuía, os gemidos agudos dela combinados com os graves dele se misturavam em uma combinação perfeita entre loucura e inferno. Os homens olhavam  atentos, todos com um olhar de desejo, havia sangue nos olhos deles, todos queriam um pouco, eles se levantaram como caçadores, só continuou sentado o velho e o barbudo, o homem com o cranio furado e o outro sem a tampa do cranio se jogaram sobre o jovem, a bela forma demoníaca saiu debaixo deles, eles brigavam com unhas e dentes, enquanto isso a garçonete nua seguiu e se sentou com os dois homens, ao ver a cena o barman se juntou a eles, enquanto isso os outros três continuavam a brigar. A garçonete, ainda nua, disse em um tom sedutor demais para homens normais:
        -Então, por que vocês ficaram aqui? Por que só vocês não querem se matar por mim?
        -Eu estou velho demais- Disse o velho- Mesmo que eu esteja morto e no inferno, eu tinha uma mulher, e mesmo que eu nunca mais a veja, e a amava, sim, eu comia outras, mas ela era especial, tinha idade para ser minha neta, mas eu a amava, e no momento em que eu entrei naquela porta, eu prometi pra mim mesmo que não teira nenhuma outra mulher.
        -Hum! Interessante- Disse o barman, se virou para o barbudo- E você?
        -Eu não acho certo homens brigarem como animais por uma mulher, eu sei que é isso que nós somos, animais, mas eu acho que o mais poderoso é aquele que consegue a mulher sem ter de usar a força, e alem disso eu estou tentando lembrar como é que eu morri.
        A diaba havia se excitado com a afirmação que o homem fizera, mas de qualquer modo estava brava por ele não se lembrar de sua morte. Os três que estavam brigando logo pararam, estavam acabados, o jovem estava todo ferido, um corte permitia ver um órgão em sua barriga, o cérebro do outro estava no chão, e o homem com a cabeça furada estava estirado sem forças. Logo, todos voltaram ao seu lugar, o velho no balcão, o jovem na mesa perto da porta, o homem sem cranio, e agora sem cérebro, na mesa encostada na parede, e o homem baleado continuou no chão, depois de um tempo todos deixaram o bar, mas o barbudo, que fora o primeiro a chegar, continuou lá, sozinho, a garçonete se aproximou e sentou-se com ele:
        -Você realmente não se lembra de como morrera José? (Irmãs Sem Nome)
        -Não, e como você sabe meu nome?
        -Seria difícil esquecer, eu te trouxe aqui, eu e uma amiga. Você está a tanto tempo tentando lembrar, sua barba cresceu, seu cabelo também, você mudou muito, ainda sente dores no peito?
        -O que? como você...-José sentiu outra dor no peito- Espere, eu acho que me lembro...
        Então um filme de tudo que acontecera na noite em que morrera passou em sua cabeça, ele se lembrou, as duas criaturas, o Sexo,  o momento em que elas pegaram sua alma. Não tinha mais dores na cabeça ou no peito, se conformara com a morte patética que tivera, agora ele era o mesmo José, sem barba, cabelo normal. Então ele disse:
        -Creio que agora você pode me dizer seu nome.
        -Eu poderia se eu tivesse, foi um prazer conhece-lo José.
        A garçonete lhe deu um beijo apaixonado no rosto e saiu, ela gostava dele, a alma dele estava com ela, ele era especial, José se levantou e se dirigiu à saída da taberna, poucos passo antes de sair ele disse:
        -Adeus, eu estou pronto- Ele se virou para o barman e para a garçonete- Só queria gradecer pelo ótimo atendimento. Coloque tudo na minha conta.
         Deu um sorriso apaixonado para a diaba, virou-se e saiu, ele estava pronto para o inferno.




Budda