O
batom beijou os lábios velhos e grosseiros, pintando-os. Os olhos
azuis e sem brilho contemplavam, encantados, o espelho. Piscavam
repetidamente com uma singular singeleza, fazendo dançar os cílios
cobertos de rímel. Mãos magras e grandes, com unhas pintadas caprichosamente de vermelho, pentearam para trás o ralo cabelo
grisalho, cobrindo a careca no topo da cabeça. Mais um gole no
gargalo da garrafa pela metade.
Esticou
os braços, deixando notáveis os ossos na magreza das costas.
Alcançou, no sofá à direita, um sutiã preto, que vestiu
cuidadosamente sobre o peito e recheou de papel higiênico. Olhou-se
de frente no espelho, virou e viu-se de lado; estava bom. Levantou-se
e foi até o armário velho que era sustentado por dois tijolos no
lugar de uma das pernas. Abriu as duas portas e examinou demoradamente as
roupas. Escolheu o vestido vermelho, que lhe agradou mais. Enfiou-se
e nele e se sentiu linda ao olhar seu próprio reflexo. Outro gole no
gargalo.
Acendeu
um cigarro, tragou e não sentiu nada. Jogou-se na poltrona em frente
ao espelho do camarim. Ainda faltava a peruca. Colocou-a com cuidado
e delicadamente. Se viu como uma mulher ruiva, com lábios, unhas e
vestido vermelhos. Já não via a si mesmo no espelho. Não se sentia
deslumbrante. O sorriso se transformara em uma grosseira expressão
neutra, com lábios retos e olhos distantes. Tragou de novo o cigarro
e deixou-o na boca enquanto mergulhava o rosto entre as mãos
apoiadas nas pernas. Sentiu, com a ponta dos dedos, pequenos e
ásperos pelos de barba nascendo na pele flácida. Uma luz lhe veio
e, de repente, soube que, independente de tudo aquilo que lhe cobria,
ainda estava ali. Nunca deixou de estar.
—Lulu,
– Uma voz suave invadiu o camarim e os ouvidos – Pronta?
Lulu,
de cinquenta e poucos anos, levantou a cabeça, cruzou as pernas e adotou uma posição
feminina triunfante sobre a poltrona velha. Retribuiu a moça à
porta com um olhar doce e amável, inspirador, com um brilho de
orgulho surgindo na beira do olho. A jovem lhe sorriu e sumiu porta
afora. Lulu se olhou no espelho uma última vez antes de se levantar.
Sentia-se deslumbrante outra vez.
Matheus Menegucci
Twitter: @MenegucciP