terça-feira, 14 de abril de 2015

Papel Fino, de Rasgo Fácil

Natalya Lobanova

Os personagens desta história são linhas rabiscadas em papel fino, de rasgo fácil. Linhas pouco detalhadas que, em diferentes quadros, tomam diferentes formas. Reflexo da falta de memória. Da falta de importância dada a cada história que me foi contada ou vivenciada. Representação clara da pessoa rasa que me tornei. A pessoa rasa que amei e odiei e que, por fim, quis que não existisse mais. A pessoa rasa da qual tentei me livrar, me lavar. Não posso me livrar de mim.
Em certo ponto parei para observar meus traços, perguntando a mim mesmo qual deles era eu. Busquei nos mais grotescos e tortos – nada –, depois nos mais belos e simétricos – nada. Eu não existia ali. A grande e potente borracha que minha mente trazia em mãos tratou de apagar os traços que fiz de mim pouco depois de eu tê-los criado. Quando os busquei, não me admirei ao ver que papel em branco rasgado fora o máximo que pôde, de mim, ser encontrado. Nenhum traço a mais fiz de mim mesmo. Nenhum traço a mais pois... eu já não era feito de traços. Eu era feito de mancha, de rasgos. A única imagem que me sobrara de meu ser era um borrão no mesmo papel fino, de rasgo fácil.
E eu vaguei entre as cenas, onde os rostos de meus amigos nunca eram os mesmos. Vaguei calado, deixando que um outro eu tomasse o controle do corpo e da voz. Esse outro eu sorria, brincava e talvez traçasse em meu papel fino mais do que eu mesmo traçava. Ele se desenhou e logo já não precisava de mim. Ele era corpo, eu era mente. Ele era a paisagem, eu o solo. E em tão pouco tempo ele convenceu a todos aqueles outros traços de que era, de fato, eu.
Ele consertou os rostos mal desenhados, de modo que, em todas as cenas, o personagem parecesse o mesmo. Criou um cenário, roteiro e direção para sua história. Ele nos guiou por seu monólogo, de modo a dar algum sentido a toda a bagunça que eu havia inicialmente criado.
Ele era um gênio. Eu, seu escravo.
Ele era inteiro. Eu, inteiro rasgado.
Ele era tinta. Eu, papel borrado.
Ele era corpo. Eu, já nem isso.
Ele era mente. Eu, desperdício.
Ele era eu. E eu...
Eu já nem era.


Matheus Menegucci

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