sábado, 28 de abril de 2012

Luz Pálida

Luz Pálida 

      Amanheceu, um belo dia, a luz pálida da manhã entrava pela janela entreaberta, pássaros lá fora, a casa imersa em um silencio imutável e assustador. Ela podia ver no chão uma fileira de formigas que seguiam em direção á um buraco minusculo na parede. Ela parecia estar tão pálida e anestesiada, fechou os olhos brevemente e logo os reabriu, estava tonta, parecia uma ressaca. Desceu as escadas, seus ossos estalavam a cada passo dado, ela não se recordava de nada da noite passada. Chegou á cozinha, pensou em tomar café como fazia todas as manhãs, mas nesse dia em especial, ela não estava com nenhuma fome, e além disso, estava com uma dor de cabeça insuportável, "O que diabos aconteceu ontem a noite?"
        Sem ânimo, sem energia, ela ligou o antigo rádio que ficava na cozinha, mas esse só chiava, nenhuma estação, nada, chegou a pensar que já estava muito velho e havia parado de funcionar, mas logo se lembrou que há pouco tempo mandara consertá-lo, de qualquer modo, ela o desligou e se deitou no sofá da sala de estar, o dia estava quieto e sonolento, tédio. Ela ficou ali no sofá por uns minutos, pensativa, "O que foi que eu fiz? O que eu fiz?" De repente, passos lá encima, ela se levantou e foi ver o que era.
        -Tem alguém aí?
        Não houve resposta, ela continuou seguindo para o quarto de onde vieram os passos, abriu a porta, era só um comodo pequeno e vazio, mas o que era aquilo no canto inferior da parede, haviam oito grupos de cinco riscos riscados, aquelas marcas que prisioneiros fazem para indicar há quanto tempo estão presos. Quarenta dias, era isso que estava na parede.
        -Quem fez isso? Por que eu não me lembro de nada?
        Ela se perguntava sem parar, sua dor de cabeça estava tão forte, ela estava tão confusa. Ela se virou, "O que?", a porta estava trancada, bem trancada, "O que diabos é isso?", não importa quanta força ela fizesse, a porta não se abriria.
        -Tem alguém aí?- Ela podia ver a uma sombra pela entrada de luz embaixo da porta- Me deixe sair! Droga!
         Ela gritou, esmurrou a porta, a sombra continuou parada, então ela parou de reagir e se sentou ali no canto, ela pode ver a sombra saindo lentamente, após um tempo ela se levantou, uma ultima tentativa sem esperança de abrir a porta, ainda estava bem trancada, ela se sentou no mesmo canto, se encolheu com frio e medo, ficou la por um tempo, e quando percebeu que havia escurecido, marcou na parede mais um risco e adormeceu, 41 dias. E o ciclo se repete com ela acordando na cama em um belo dia.

Budda

     

sábado, 14 de abril de 2012

A Taberneira Infernal e Seus Amores



Esse conto é a continuação dos seguintes contos:

Irmãs Sem Nome: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/02/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x.html
Fetiches, Propostas e Verdades: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/02/fetiches-propostas-e-verdades.html



A Taberneira Infernal e Seus Amores

        -Mais uma, filhas da puta ...
        A taberna era mal iluminada e úmida, sozinho em sua mesa, um homem com barba e cabelo enormes e mal cuidados, pedia gentilmente, com sua voz rouca, mais uma dose de Whisky, não era muito velho. Da sua mesa ele podia ver todos os presentes, em uma mesa encostada na parede, havia um homem de meia idade, seu cérebro estava exposto e ele comia petiscos na tampa do próprio cranio, do outro lado, sentado no balcão, havia outro homem, tinha um enorme buraco na parte detrás da cabeça, resultado de um tiro, que ao entrar faz um pequeno buraco, mas ao sair faz um estrago notável. Mais a frente, perto da porta, um jovem extremamente magro, com varias cicatrizes no corpo, tomava sozinho uma garrafa de Gim. O homem sabia que ele e todos os presentes no local estava mortos. O barman, segurava um enorme tridente, era possível confundi-lo com o diabo, ainda mais por seus pequenos chifres saindo de sua pele pálida, mas não era o diabo. Uma garçonete demoníaca, e extremamente gostosa, levava a garrafa de Whisky que o homem pedira, ao chegar, o homem simplesmente disse:
        -Muito obrigado senhorita- tentando ser cavaleiro do seu jeito rude.
        Ele tentava se lembrar de como havia morrido, mas não se lembrava de nada. Estava com uma dor de cabeça infernal, sem querer fazer trocadilho, ouvia até o barulho minimo do barman limpando os copos sem parar, aquele pano nunca parava de lustrar e lustrar os copos, ouvia o homem sem maça cefálica mastigando seus petiscos, ouvia a bebida descer pela garganta do jovem fetichista, a tosse do homem no balcão nunca cessava, era cada vez mais alto, mais profundo, estava dentro da sua cabeça, cavando um buraco em sua mente, profundo, profundo, de repente a portinhola dupla de saloon abriu com outro homem sendo arremessado para dentro do bar, um velho de bengala se levanta, não tem um pé, em seu lugar há uma bela perna de pau daquelas que piratas usavam, o velho rabugento vai mancando até o balcão, tira uma arma e atira na cabeça do homem que ali sentava, quando o homem cai o velho se senta em seu lugar, e comenta:
        -Ninguém senta perto de mim.
        O homem, que agora tinha dois buracos de bala na cabeça, se levanta e vai se sentar em uma mesa, o velho pede uma dose. A dor de cabeça agora tinha parado, todos estavam bebendo e rindo sozinhos de algo, menos o homem do canto, que ainda estava refletindo sobre sua morte. Após um tempo, o homem com buracos na cabeça sentou-se junto ao homem com o cérebro exposto:
        -Então, como você morreu?
        -Acho que eu fui atropelado, sei lá, eu só sei que minha massa cefálica saiu voando por uns cinco metros. E você amigo, como é que você morreu?
        O homem só virou a cabeça um pouco, para que o outro pudesse ver o enorme buraco.
        -Huh! Isso doeu?
        - Na verdade eu nem senti, eu estava lá, uma vadia apontando uma arma pra minha cabeça, de repente, PUM, eu estava aqui.
        -Vadia? Que vadia?
        -Minha mulher- O homem estava rindo- Ela descobriu que eu comia a sobrinha dela todo final de semana.
        Nessa hora todos riram, inclusive os que não participavam da conversa, o velho que havia tomado o seu lugar disse, orgulhoso do homem:
        -Isso mesmo rapaz, tem que aproveitar enquanto elas são novinhas- Logo depois disso ele soltou uma gargalhada fraca e rouca de velhos fumantes.
        -Por falar em Sexo- Começou o jovem magro- A ultima coisa que eu fiz antes de morrer foi sexo, eu transei a noite inteira, e quando eu tava acabando, o diabo chegou e fez eu vender minha alma pra ele. (Fetiches, Propostas e Verdades) 
        -Então, você também vendeu sua alma?-Disse o barbudo, que até então estava quieto- Eu vendi minha alma também, só não me lembro como... Eu tento me lembrar, mas não vem nada à minha mente.
        -Hum!- Começou o velho- Isso não importa agora, afinal não tem como voltar atrás, você está aqui no inferno com a gente, é isso que importa.
        -Claro- Disse ele finalizando outra garrafa, gritou- Mas uma aqui pra mim!
        -Essa por minha conta- Disse o velho amigavelmente totalmente interessado no caso do homem.
        Após um tempo bebendo e conversando sobre suas mortes, todos se sentaram em uma só mesa, de algum modo, agora todos eram "amigos", e após muita conversa o jovem magro disse:
        -Eu acho que está faltando uma mulher aqui.
        Todos concordaram rindo como Vikings tarados na idade media, no mesmo momento a garçonete disse:
        -Isso não é problema!
        Ela se despiu mostrando seus seios perfeitos, seus pequenos chifres eram assustadores, mas era exitante de qualquer forma, ela subiu na mesa e dançou para todos, todos estavam exitados, menos o barbudo, ele não era gay, só não estava interessado. O jovem viciado em sexo estava vidrado naquela forma sedutora que expressava perfeitamente o que é o pecado, sua boca enorme, seus dentes pontiagudos, seu rabo que batia na cara dos homens, o barbudo continuava olhando para o copo de bebida, pensativo, "como eu morri?". O jovem, que já não aguentava mais de tanta excitação, saltou sobre a mesa, jogando a dançarina no chão selvagemente, ele era como um animal, e àquela hora já estava domada, ele tirou as calças e começou, ele fazia sexo com ela, ela retribuía, os gemidos agudos dela combinados com os graves dele se misturavam em uma combinação perfeita entre loucura e inferno. Os homens olhavam  atentos, todos com um olhar de desejo, havia sangue nos olhos deles, todos queriam um pouco, eles se levantaram como caçadores, só continuou sentado o velho e o barbudo, o homem com o cranio furado e o outro sem a tampa do cranio se jogaram sobre o jovem, a bela forma demoníaca saiu debaixo deles, eles brigavam com unhas e dentes, enquanto isso a garçonete nua seguiu e se sentou com os dois homens, ao ver a cena o barman se juntou a eles, enquanto isso os outros três continuavam a brigar. A garçonete, ainda nua, disse em um tom sedutor demais para homens normais:
        -Então, por que vocês ficaram aqui? Por que só vocês não querem se matar por mim?
        -Eu estou velho demais- Disse o velho- Mesmo que eu esteja morto e no inferno, eu tinha uma mulher, e mesmo que eu nunca mais a veja, e a amava, sim, eu comia outras, mas ela era especial, tinha idade para ser minha neta, mas eu a amava, e no momento em que eu entrei naquela porta, eu prometi pra mim mesmo que não teira nenhuma outra mulher.
        -Hum! Interessante- Disse o barman, se virou para o barbudo- E você?
        -Eu não acho certo homens brigarem como animais por uma mulher, eu sei que é isso que nós somos, animais, mas eu acho que o mais poderoso é aquele que consegue a mulher sem ter de usar a força, e alem disso eu estou tentando lembrar como é que eu morri.
        A diaba havia se excitado com a afirmação que o homem fizera, mas de qualquer modo estava brava por ele não se lembrar de sua morte. Os três que estavam brigando logo pararam, estavam acabados, o jovem estava todo ferido, um corte permitia ver um órgão em sua barriga, o cérebro do outro estava no chão, e o homem com a cabeça furada estava estirado sem forças. Logo, todos voltaram ao seu lugar, o velho no balcão, o jovem na mesa perto da porta, o homem sem cranio, e agora sem cérebro, na mesa encostada na parede, e o homem baleado continuou no chão, depois de um tempo todos deixaram o bar, mas o barbudo, que fora o primeiro a chegar, continuou lá, sozinho, a garçonete se aproximou e sentou-se com ele:
        -Você realmente não se lembra de como morrera José? (Irmãs Sem Nome)
        -Não, e como você sabe meu nome?
        -Seria difícil esquecer, eu te trouxe aqui, eu e uma amiga. Você está a tanto tempo tentando lembrar, sua barba cresceu, seu cabelo também, você mudou muito, ainda sente dores no peito?
        -O que? como você...-José sentiu outra dor no peito- Espere, eu acho que me lembro...
        Então um filme de tudo que acontecera na noite em que morrera passou em sua cabeça, ele se lembrou, as duas criaturas, o Sexo,  o momento em que elas pegaram sua alma. Não tinha mais dores na cabeça ou no peito, se conformara com a morte patética que tivera, agora ele era o mesmo José, sem barba, cabelo normal. Então ele disse:
        -Creio que agora você pode me dizer seu nome.
        -Eu poderia se eu tivesse, foi um prazer conhece-lo José.
        A garçonete lhe deu um beijo apaixonado no rosto e saiu, ela gostava dele, a alma dele estava com ela, ele era especial, José se levantou e se dirigiu à saída da taberna, poucos passo antes de sair ele disse:
        -Adeus, eu estou pronto- Ele se virou para o barman e para a garçonete- Só queria gradecer pelo ótimo atendimento. Coloque tudo na minha conta.
         Deu um sorriso apaixonado para a diaba, virou-se e saiu, ele estava pronto para o inferno.




Budda

terça-feira, 10 de abril de 2012

Cantiga da Escuridão

Cantiga da Escuridão 

        Os corredores eram tão quietos e escuros, madrugada chuvosa. Poucas pessoas ainda moravam naquele prédio velho, em sua maioria idosos, um único jovem, João, 15 anos, tinha medo da chuva, por isso passava a noite toda acordado quando chovia. Os pais de João, que trabalhavam o dia todo, dormiam feito pedras após longos e cansativos dias de trabalho.
        De dentro do seu quarto, João podia ouvir o som dos passos leves e sorrateiros do zelador que ficava a noite toda perambulando pelo prédio, que mesmo sendo antigo, era enorme. Junto com os passos do velho, João podia ouvi-lo cantarolando bem baixinho com a voz rouca, lenta e cansada.

"Corre, corre, garotinha
Pois ninguém vem te ajudar,
Lá no céu há uma estrelinha,
Que pra ti não vai brilhar..."

        Por incrível que pareça, aquilo era uma cantiga de ninar, a letra era estranha, mas o velho cantava com tanto carinho e emoção.

"Mamãe não está aqui,
Papai não pensa em você
Agora é muito tarde,
Já não pode se esconder..."

        O zelador, de súbito, para de cantar, Fica um tempo em silencio, João pode ouvir o som da própria respiração, isso o incomoda, leva um susto quando o velho começa a falar baixinho.
        -O que? Como assim? Você não gosta mais dessa? Mas foi você que pediu pra eu cantar... Tudo bem, eu penso em outra... Você o que?... Ah! Entendo...
        Mesmo que aquilo parecesse loucura, João ficou extremamente curioso, só pôde ouvir os passos do velho se distanciando, João quis ver, ele abriu a porta lentamente para não acordar seus pais, estava no corredor, não enxergava nada, só o escuro em sua mais pura forma, decidiu seguir o som dos passos, do velho, saiu do corredor, agora estava nas escadas, lá o som dos passos ecoava de uma forma diferente, confuso, João continuou, desceu escadas, passou por outros corredores, e finalmente chegou, a ultima escada do prédio, era estreita e ia para um tipo de porão, ele desceu lentamente, viu uma porta, com uma pequena fresta de luz, pôde ouvir os passos do zelador lá de dentro, João se escondeu ali num cantinho escuro, sentou-se no escuro e ficou pensando por um tempo, podia ouvir o zelador cantar algumas partes de outra cantiga de ninar.

"Faz frio na cidade,
mas a chuva nunca vem,
Muito longe, na estrada,
Outro homem sem ninguém...

Não se importa, nem se joga
Ele sente tanto frio.
A garotinha que matara
Veio preencher o vazio."

        João estava perplexo, que tipo de cantiga era aquela? Ele estava assustado, ele sentiu cada verso como se vivesse naquela cantiga, João estava tremendo, de repente, a luz vinda da fresta se apaga, a maçaneta gira, a porta abre lentamente, João se encolhe, o velho sai, e antes de fechar a porta, diz baixinho:
        -Boa Noite!
        Então o velho sobe as escadas sem perceber a presença de João no local. João estava segurando sua respiração para que o velho não o ouvisse, ao perceber que o velho já estava longe, João volta a respirar, se levanta e dirige-se até o quarto, abre a porta, o ar do local é quente e dominado por um cheiro suave de formol, ele entrou com passos tímidos e cautelosos, de repente, pôde ouvir alguém respirando como se estivesse dormindo, João tremia, estava com muito medo, mas estava muito escuro, ele procurou o interruptor arrastando as mãos na parede, encontrou... A lampada amarelada acendeu, era fraca, João olhou em volta, não tinha ninguém lá, ficou em silencio, não pôde ouvir ninguém respirando, "Talvez eu também esteja louco!" Mas o que era aquilo? João pôde ver uma mão de criança vindo debaixo de um cobertor no chão, a mão era pálida, parecia um cadáver conservado em formol agora sim ele estava com medo, suava frio, de repente, ouviu o zelador descendo as escadas mais uma vez, seu coração nunca batera tão rápido, rapidamente se escondeu debaixo de uma cama, provavelmente era a cama do zelador. "Droga! Esqueci de apagar as luzes!" Era tarde demais, o zelador já havia entrado no quarto, João prendeu a respiração de novo.
        -Hum! Acho que eu esqueci as luzes acesas, acho que estou meio velho- Disse o zelador pra si mesmo- De qualquer forma...
        O zelador pega algo sobre a mesinha perto da cama, o coração de João estava muito acelerado, ele sentia as veias pulsando forte no pescoço, uma angustia sem fim, o zelador apagou as luzes e saiu.
        -Ufa- Diz joão voltando a respirar- Essa foi por pouco...
        João fica em silencio, e, para aumentar um pouco sua angustia, ele ouve a respiração mais uma vez, mas dessa vez ela é irregular e meio cansada, como quando se acorda de um pesadelo. João sai debaixo da cama e se prepara para sair do quarto, não estava nem um pouco interessado em quem ou o que estava ali. De repente, quando joão já esta perto da porta, uma voz de menina, calma, sonolenta e inocente diz:
        -Oi estranho, me desculpe mas, eu tive um pesadelo- João se vira apavorado enquanto a menininha morta continua- Eu não consigo dormir bem em dias de chuva, você poderia cantar uma cantiga de ninar pra mim? Por favor?


BUDDA

@MatheusLecter

terça-feira, 3 de abril de 2012

Anatomia Cíclica

Anatomia Cíclica 

       "Ela não é real!" Ele sussurrava para si mesmo, caminhava por corredores escuros, fétidos e desconhecidos, aquilo era um sonho? Ambiente industrial, canos e tubulações, fumaça, quem era ele afinal? Um intruso em seu próprio pesadelo. Cheiro de carne, cheiro de sangue, cheiro de qualquer coisa podre, seus paços ecoavam no escuro, tal como sua respiração, e ele não parava de sussurrar, "Ela não é real! Não é real!" Aquilo era um labirinto?  Como ele chegou lá? "Ela não é real!"
        Sua cabeça latejava, ele se entorpecia de dor e angustia a cada passo dado, seu nome, ele não tinha nome. Ele via sombras a cada esquina naquele labirinto, elas não eram reais, ele não era real, "Ela não é real!" repetia. Um corredor ainda mais comprido e escuro, longe, bem longe, havia luz, O que era aquilo? Uma forma feminina, vestido rosa, loira, era difícil enxergar na semi escuridão, ela era tão sedutora, mesmo que ele só pudesse ver sua forma distorcida pela fumaça do local e pela distancia, era ela, a pessoa que ele insistia em dizer que não era real, e ele se aproximou, cada passo ecoava ainda mais alto que o anterior, sua respiração era ofegante, ele correu mas não saiu do lugar, a mesma distancia sempre, "Por que eu não a alcanço?" Ele chorou discretamente, mostrando toda sua fragilidade com uma unica lagrima que escorria em seu rosto marcado pelo cansaço, ela não estava mais lá, em seu lugar, uma porta metálica, ele se aproximou, abriu, entrou. A batida frenética de um coração que não era o dele, era alta, era forte, à sua frente havia um enorme buraco, a pouca iluminação permitia que ele enxergasse um emaranhado de tripas gigantes e entranhas, órgãos e partes do corpo, tudo de um tamanho estranhamente exagerado, e se mexia, o que quer que fosse aquilo, estava vivo, pulsava a cada batida, sangue. Ele olhou, as tripas eram tão maravilhosas diante de seus olhos, seu amor pela anatomia estava de volta, ele pulou, mergulhou nas entranhas molhadas e pulsantes, ele afundava, descia um pouco mais, estava totalmente entrelaçado, pressionado, apaixonado, ele regozijava-se de ums estase sobrenatural, ele caiu. Jogado no chão, ele olhou para cima, só um teto normal, onde estavam todas aquelas entranhas? Onde ele estava? Aquilo era um quarto? Um quarto de manicômio.
        Uma caminha desconfortável no canto, um lavatório imundo na parede, uma privada ainda mais repugnante em outro canto, camisa de força, ele se recostou no canto das paredes, mal podia se mover com aquela camisa de força apertada.
        -Sai daqui!- Ele gritava- Sai...
        Ela estava ali, a dama de rosa, um belo rosto, um belo corpo. De frente para ele, olhando, condenando, imortalizando sua loucura. Ele se levantou.
        -Você não é real...
        Ele tentava golpear, mas mal saia do lugar, os lábios da bela dama se moveram, sussurrando em um tom tão sensual quanto assustador:
        -Eu sou real, já não lembra.
        -Você não é real, não mais- Ele gritava- Eu te matei, eu te tirei da minha mente.
        -Você não me matou. Será que nunca vai entender? Você me criou, uma imagem de sua culpa por ter matado aquela que um dia amou. Você não pode me matar, eu te mato aos poucos, eu sou a maior parte do que sobrou de você.
        Silencio total, ela já não estava lá, o escuro voltou, a porta se abiu, onde estava a camisa de força? Ele saiu, de volta ao corredores, mais um passo dado, ele repetiu, "Ela não é real! Não é real!"