terça-feira, 10 de abril de 2012

Cantiga da Escuridão

Cantiga da Escuridão 

        Os corredores eram tão quietos e escuros, madrugada chuvosa. Poucas pessoas ainda moravam naquele prédio velho, em sua maioria idosos, um único jovem, João, 15 anos, tinha medo da chuva, por isso passava a noite toda acordado quando chovia. Os pais de João, que trabalhavam o dia todo, dormiam feito pedras após longos e cansativos dias de trabalho.
        De dentro do seu quarto, João podia ouvir o som dos passos leves e sorrateiros do zelador que ficava a noite toda perambulando pelo prédio, que mesmo sendo antigo, era enorme. Junto com os passos do velho, João podia ouvi-lo cantarolando bem baixinho com a voz rouca, lenta e cansada.

"Corre, corre, garotinha
Pois ninguém vem te ajudar,
Lá no céu há uma estrelinha,
Que pra ti não vai brilhar..."

        Por incrível que pareça, aquilo era uma cantiga de ninar, a letra era estranha, mas o velho cantava com tanto carinho e emoção.

"Mamãe não está aqui,
Papai não pensa em você
Agora é muito tarde,
Já não pode se esconder..."

        O zelador, de súbito, para de cantar, Fica um tempo em silencio, João pode ouvir o som da própria respiração, isso o incomoda, leva um susto quando o velho começa a falar baixinho.
        -O que? Como assim? Você não gosta mais dessa? Mas foi você que pediu pra eu cantar... Tudo bem, eu penso em outra... Você o que?... Ah! Entendo...
        Mesmo que aquilo parecesse loucura, João ficou extremamente curioso, só pôde ouvir os passos do velho se distanciando, João quis ver, ele abriu a porta lentamente para não acordar seus pais, estava no corredor, não enxergava nada, só o escuro em sua mais pura forma, decidiu seguir o som dos passos, do velho, saiu do corredor, agora estava nas escadas, lá o som dos passos ecoava de uma forma diferente, confuso, João continuou, desceu escadas, passou por outros corredores, e finalmente chegou, a ultima escada do prédio, era estreita e ia para um tipo de porão, ele desceu lentamente, viu uma porta, com uma pequena fresta de luz, pôde ouvir os passos do zelador lá de dentro, João se escondeu ali num cantinho escuro, sentou-se no escuro e ficou pensando por um tempo, podia ouvir o zelador cantar algumas partes de outra cantiga de ninar.

"Faz frio na cidade,
mas a chuva nunca vem,
Muito longe, na estrada,
Outro homem sem ninguém...

Não se importa, nem se joga
Ele sente tanto frio.
A garotinha que matara
Veio preencher o vazio."

        João estava perplexo, que tipo de cantiga era aquela? Ele estava assustado, ele sentiu cada verso como se vivesse naquela cantiga, João estava tremendo, de repente, a luz vinda da fresta se apaga, a maçaneta gira, a porta abre lentamente, João se encolhe, o velho sai, e antes de fechar a porta, diz baixinho:
        -Boa Noite!
        Então o velho sobe as escadas sem perceber a presença de João no local. João estava segurando sua respiração para que o velho não o ouvisse, ao perceber que o velho já estava longe, João volta a respirar, se levanta e dirige-se até o quarto, abre a porta, o ar do local é quente e dominado por um cheiro suave de formol, ele entrou com passos tímidos e cautelosos, de repente, pôde ouvir alguém respirando como se estivesse dormindo, João tremia, estava com muito medo, mas estava muito escuro, ele procurou o interruptor arrastando as mãos na parede, encontrou... A lampada amarelada acendeu, era fraca, João olhou em volta, não tinha ninguém lá, ficou em silencio, não pôde ouvir ninguém respirando, "Talvez eu também esteja louco!" Mas o que era aquilo? João pôde ver uma mão de criança vindo debaixo de um cobertor no chão, a mão era pálida, parecia um cadáver conservado em formol agora sim ele estava com medo, suava frio, de repente, ouviu o zelador descendo as escadas mais uma vez, seu coração nunca batera tão rápido, rapidamente se escondeu debaixo de uma cama, provavelmente era a cama do zelador. "Droga! Esqueci de apagar as luzes!" Era tarde demais, o zelador já havia entrado no quarto, João prendeu a respiração de novo.
        -Hum! Acho que eu esqueci as luzes acesas, acho que estou meio velho- Disse o zelador pra si mesmo- De qualquer forma...
        O zelador pega algo sobre a mesinha perto da cama, o coração de João estava muito acelerado, ele sentia as veias pulsando forte no pescoço, uma angustia sem fim, o zelador apagou as luzes e saiu.
        -Ufa- Diz joão voltando a respirar- Essa foi por pouco...
        João fica em silencio, e, para aumentar um pouco sua angustia, ele ouve a respiração mais uma vez, mas dessa vez ela é irregular e meio cansada, como quando se acorda de um pesadelo. João sai debaixo da cama e se prepara para sair do quarto, não estava nem um pouco interessado em quem ou o que estava ali. De repente, quando joão já esta perto da porta, uma voz de menina, calma, sonolenta e inocente diz:
        -Oi estranho, me desculpe mas, eu tive um pesadelo- João se vira apavorado enquanto a menininha morta continua- Eu não consigo dormir bem em dias de chuva, você poderia cantar uma cantiga de ninar pra mim? Por favor?


BUDDA

@MatheusLecter

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