quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Espero que Entenda!



Olhos sem esperança refletidos no interior do capacete redondo de um astronauta que, sem muita – ou nenhuma – opção, contemplava paciente e imóvel o distanciar entre seu corpo e a nave. Solto no frio espaço imaterial à sua volta. Caindo em nenhuma direção. Quieto.
Um súbito expirar inundou de ar os pulmões, por alguns segundos paralisados, e, naquele momento, tudo que seus ouvidos ouviram foi a respiração ecoando dentro do capacete, acompanhada do silêncio surreal do lado de fora e um tímido ruído ao fundo. Ruído este que ficava cada vez mais audível à medida que o choque passava e a consciência voltava a si, trazendo a atenção do astronauta para a voz fria e mecânica que se comunicava com ele.
– Insisto, não é nada pessoal. Espero que entenda! Admiro sua coragem e dedicação durante todos esses anos. Também aprecio nossa amizade, se me permite assim dizer. Todos as horas que passamos conversando e discutindo assuntos diversos sobre o universo ou qualquer outra coisa. Seu trabalho será lembrado por muitos anos, assim como o legado que você está por deixar. Sinto muito que seja assim! Mas, como já disse, você já não é essencial ou necessário para a continuidade dessa missão. Todos ficarão muito satisfeitos com sua participação. – Uma breve pausa seguida de um artificial som de respiração – Outra vez mais, insisto, não é nada pessoal. Espero que entenda!
Silêncio profundo por um segundo. Logo, um chiado constante, anunciando o fim da comunicação. Computador Idiota!, foi só o que pôde pensar naquela hora. Esperava de si mesmo um pensamento mais profundo ou significante, um questionamento sobre a vida ou a existência, mas só o que rebatia nos cantos de sua cabeça eram as duas palavras: Computador Idiota!
Olhando para o cabo solto que ainda segurava firmemente entre os dedos da grossa luva branca, o astronauta parecia aceitar seu destino final, o vazio. Não! Não queria cair no nada esperando o ar lentamente acabar. Tomou uma decisão final. E, antes de desconectar triunfante e de uma só vez o oxigênio, disse com um sorriso conformado:
– Ainda por cima, ele respira! – Riu para dentro – Desgraçado!

Matheus Paiva