sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Ciano Ofuscante



                Cansou-se do mundo, viu que o céu não era tão azul, viu que aquilo não era um conto de fadas, “Que pena!”. A garotinha de cabelo azul-claro queria tanto acreditar que fosse, queria tanto viver onde pelo menos os personagens são diferentes uns dos outros, onde nem todos são robôs programados. Queria algum ato heroico, ou uma historia totalmente sem sentido que ao menos fosse menos... Monótona.
                E naquele dia, enquanto pulava amarelinha sozinha no parquinho e segurava pela perna seu coelho de pelúcia, algo diferente aconteceu, finalmente. Mas infelizmente, não foi algo bom, mas ela sabia que o final feliz só vem depois do drama e da tragédia. Era de tardezinha, faltava algo em torno de meia hora para o pôr do sol, mas o céu não estava com aquele tom bonito de se ver. Estava verde, como um rio poluído, e para completar a pintura, as nuvens eram amareladas e feias. O primeiro a cair era branco, fez um estralo alto ao se chocar com o chão, quebrando suas asas e o pescoço. O segundo caiu ao lado da menina, que por sua vez ficou apavorada. Olhou para o céu, o que viu era horrível, o peito apertava. Centenas de pássaros, brancos, negros, de todas as cores, caindo do céu, chocando seus corpos contra o chão frio de concreto. Estava horrorizada, podia fugir para não ver aquilo, mas decidiu ficar ali parada, agora olhando para o chão, sentido o gosto salgado das lagrimas que desciam dos olhos até a boca, ouvindo os corpinhos se estatelando no chão.
                Soltou o coelho de pelúcia, ele era amarelado e encardido, devagarzinho tocou o chão, agora empoçado com o sangue das aves, ficou manchado de vermelho escuro. O sangue dos pássaros, que se espalhava cada vez mais rápido pelo chão, havia “engolido” o coelho, e agora estava consumindo a garota, subindo por suas pernas, como se tivesse vida própria. Vermelho e escuro, já chegava ao joelho, ela nem se mexia, só tremia, não de medo, de raiva, não suportava ver criaturas inocentes morrendo, sempre quis ser um pássaro. A revolta e o ódio haviam consumido uma pequena criança inocente, os cabelos azuis agora também estavam sujos de sangue. Ergueu a cabeça, os olhos grandes, castanhos e brilhantes se destacavam no rosto sujo de sangue, tomou fôlego para gritar, gritar o mais forte que podia, e quando foi soltar o ar, fraquejou e caiu de joelhos.
                Ergueu os olhos e a cabeça, estava limpa, não havia sangue, muito menos pássaros mortos. Só um dia normal, preparando-se para o anoitecer. Os joelhos ralados beijando o chão, as mãos se esforçando para sustentar o peso do corpo imposto sobre elas, e o coelho jogado sobre a terceira casa da amarelinha, a garota estava de joelhos sobre a segunda. Pegou-o, e como se ele tivesse vida, abraçou o pequeno boneco de pelúcia. Os lábios finos e rosados da garotinha tremiam, e com um sussurro ela falou com o coelho:
                -Não deixe que nada aconteça a eles, por favor! Nem a mim...
                Engoliu o choro que estava prestes a sair, levantou-se e foi para o horizonte, rumo a sua casa, ao seu próximo sonho, pesadelo... Ou uma aventura real, surreal de um digno conto de fadas.



Matheus Menegucci


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Contos de Cadeira #1: INERTE


#1: INERTE

                Várias vozezinhas sussurravam desordenadas no ecoar de pequenos pezinhos estralando no escuro. Sonolentas:

                -Ele não parece triste.
                -Não parece feliz.
                -Não parece transparecer nada!
                -Ele fechou os olhos.
                -Não parece querer respirar.
                -Parece não sentir nada.
                -Alguma coisa ele sente!
                -Saudade...
                -Saudade de quê?
                -Saudade... Saudade de sentir!
                -Não parece ter saudade.
                -Não parece transparecer nada!
                -Os olhos ainda estão fechados.
                -Não parece querer os abrir.
                -É fraco.
                -Assim como todos os outros!
                -Não parece fraco.
                -Não parece transparecer nada!

                As vozezinhas se calaram, o escuro permaneceu, os olhos não se abriram... A dor não transpareceu.
                Não queria acordar. Prometeu para si, por muito tempo, não mais abrir os olhos.

BUDDA



sábado, 17 de novembro de 2012

O Garoto Branco



        Sentou-se em uma pedra a beira mar, com os olhos azuis quase brancos, ele contemplava a imensidão de água que se estendia diante dele. Era um dia frio, escuro de nuvens negras. O vento assoprava suave e frio, parecia cortar a pele branca do garoto. Era loiro, cabelo não muito comprido, alto e magro. Os outros garotos caçoavam dele por ser tão pálido, ninguém, nem ele mesmo, entendia o por que de tanta brancura, passava o dia todo sob o sol, estirado naquela pedra enorme, parecia esperar algo. Algo novo, diferente.
        Mas não era um dia de sol, as nuvens já haviam começado a gritar, ele olhou para o céu, sabia que não era uma chuva qualquer. Lá no horizonte, pôde ver a tempestade se formando sobre o mar, e em seguida as ondas grandes. E com um único grito o vento anunciou o caos. A chuva começou a cair forte e cortante, sem falar do próprio vento que assoviava nos ouvidos e levava placas e galhos de árvores. Ele continuou ali, sentado em sua pedra. As pessoas corriam na cidade, e logo uma pequena inundação começou. A chuva apocalíptica assustava a todos menos ao garoto.
        Então a onda gigante atingiu a cidade, derrubou casas, matou gente. E após tudo aquilo, uma fresta de sol surgiu, as poucas pessoas que sobraram nos tetos dos prédios que ainda ficaram de pé, choravam, lamentavam suas perdas, lamentavam estar vivos. E a pedra onde o garoto se sentava estava vazia, o mar já havia se acalmado, perdoou seu filho, e levou-o consigo. O garoto branco, filho do céu, filhou do mar.


Matheus Menegucci

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Duas Baleias e Quatro Versos Insignificantes



        Em meio a bagunça podemos destacar algumas coisas, além das milhares de peças de roupas espalhadas pelo trailer, como uma coleção de discos esparramada sobre a cama, um poster do Frankenstein meio enrolado sobre a mesa, e sobre ele, uma xícara fria de café. A pequena janela só deixava entrar algumas frestas de luz. Era estranho ficar de pé, parecia que o trailer estava flutuando, e de fato, estava.
        Foi realmente bizarro quando algumas peças de roupas começaram, lentamente, a flutuar, levantavam voo devagarinho, de repente alguns objetos, como a coleção de discos, também saíram do repouso e começaram a perder a gravidade. Demorei para perceber que as coisas não estavam voando, e que na verdade, o trailer estava caindo. Logo eu também flutuava, na mesma posição que estava, sentado, sem me importar. Assustei quando, bruscamente, pousei na cama, e todo o resto que flutuava também pousou. De repente a água começou a invadir o trailer violentamente, pelas frestas e buracos na lataria. Continuei do mesmo modo, observando, rindo, admirando a invasão da água em meu recinto.
        Demorou um pouco, mas logo a água já havia chegado ao teto e, consequentemente, o trailer afundava. Então, pela primeira vez, me movi, fui até a janela e observei o oceano, me devorando, me engolindo. Vi peixes, plantas e baleias... Ah! As baleias, cantavam com tanta naturalidade, a cantiga relaxante e ensurdecedora que só elas sabiam cantar. Haviam duas, uma adulta, outra filhote, mãe e filho. Nadavam bem devagar, como quem não se preocupa com nada, "como eu queria ser uma delas!"
        E elas cantavam...

"No fundo...
O escuro...
Um filho...
Prematuro..."

        O que aqueles versos significavam? Eram direcionados à mim? Fazia sentido, uma vez que minha vida se resumia ao escuro e a escolhas impensadas e precipitadas, ideias prematuras jamais realizadas. O que as baleias queriam me dizer? Não tive tempo, a água me puxou de volta e eu acordei... Seco, na terra, sem vida, sem resposta.


BUDDA

domingo, 4 de novembro de 2012

Um Lamaçal de Palavras (O Gigante Pt.2)


         Os dedos finos e curtos cravados na terra, o joelho atropelava o vestido sujando-o na terra fofa e úmida. A garota, que parecia estar chorando, ficou um tempo ali, ajoelhada, com os braços esticados e as mãos segurando o chão. O cabelo negro, que tomava um tom desbotado em meio ao dia cinzento, lhe cobria a face triste, pálida e delicada.
        Uma gota caiu lentamente e se esparramou pelo chão, por incrível que pareça, não era uma lágrima, e sim uma gota de chuva, que foi seguida de algumas outras, suaves e leves, daquelas que ainda não estralam. Então o primeiro chuvisco tocou sua nuca, e pela primeira vez pode-se ver o belo rosto da menina, que levantou a cabeça para perceber que a chuva começava a nascer. Seus olhos eram grandes e castanhos, e seu nariz tão suave quanto a boca pequena e natural. Outra gotícula tocou a garota, dessa vez em seu nariz, ela se assustou e, de súbito, abaixou a cabeça, logo a ergueu novamente, dessa vez para contemplar o céu, antes límpido, agora negro e pesado.
        Um trovão que surgiu no mesmo momento que o relâmpago, como se abrisse as portas do céu, fez que a água começasse a cair forte e raivosa, barulhenta e mortal em fração de segundo. As gotas pesadas e grossas ardiam nas costas da garota, que então havia abaixado a cabeça novamente e encolhido um pouco o corpo para se proteger inutilmente da chuva. A terra que antes envolvia seus singelos dedos havia se tornado lama, uma lama preta que manchou de escuridão seu vestido branco. Um grito alto e carregado se seguiu de uma brusco movimento em que ela puxou as mãos para o céu levantando o barro que respingou tanto no vestido quanto em seu rosto, então ela estava de pé, com os braços erguidos com um punhado de barro nas mãos, deu uns dois passos cambaleando na terra, com a cara sofrida, enquanto seus pés afundavam um pouco, então parou, abaixou os braços e jogou o barro no chão. Olhou para o horizonte, bem longe, embaixo de uma árvore, no fim do pequeno morro de terra, um homem. Trajava terno e carregava um guarda-chuva, daquela distancia não era possível ver seu rosto, saber se era velho ou jovem. Ela puxou o ar, deixando o cheiro de terra molhada invadir seu corpo, e então soltou, inspirou de novo e correu... Correu desajeitada, tropeçando nos buracos que seus próprios pés abriam no chão, dava alguns pequenos saltos e continuava a correr. Ele estava longe, parecia que ela nunca chegaria lá.
        Mas no meio do caminho ela caiu, não notou a enorme cova em sua frente e caiu la no fundo, o buraco estava um tanto quanto empoçado. Virou-se, ainda deitada olhou pro céu ainda negro. Mesmo aquilo sendo uma cova, era muito aconchegante, ela gostava do lugar úmido como estava. Então sorriu, ficou ali rindo como nunca antes, soluçava de tanto rir, a chuva ainda chicoteava seu corpo e ela só ria, tanto que ficou sem ar e teve que parar pra respirar um pouco, mas logo começou a rir de novo. Estava de olhos fechados quando uma sombra se ergueu sobre ela, era o homem, quando percebeu deu um salto para trás e ficou sentada no canto da cova. Ele era grande, maior que os homens normais, um pouco desproporcional. Ergueu uma de suas grandes mãos para a garota que, hesitou por um momento mas logo agarrou a mão do homem, que na verdade não era um homem, e sim um garoto. Ele a puxou e tirou-a do buraco, tinha o dobro do tamanho dela. Então os dois foram embora em direção ao horizonte, embaixo do grande guarda-chuva negro, em um dia negro, com trajes negros ou sujos da mesma cor. O Garoto das pernas metálicas e a menina que falava com a terra.


Matheus Menegucci
@MatheusLecter

PARTE 1: http://insetosdecarne.blogspot.com.br/2012/09/o-gigante-pt1.html

Pássaros


Meus pássaros
Não têm grades
Não têm gaiolas.

Meus pássaros
São todos livres
Pelo mundo afora.

No meu quintal tem uma árvore
Uma árvore bem grande
Onde muitos deles pousam
E jamais ganham um nome.

Meus pássaros
Não têm cor
Ou canto definido.

São de todas as raças
De todos os cantos
De além do céu infinito.

E apesar de todos eles
Estes não são versos felizes
Pois enquanto me escondo e me reprimo
Todos os pássaros são livres.

Este jardim não é meu,
Tampouco o chão no qual me sento
Pássaros voam para longe
Deixam vazio o sentimento.


Matheus Menegucci