segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Cor


O grande espelho no canto do quarto, límpido e surreal, refletia uma jovem de traços suaves e sem expressão, com olhos fixos em seu reflexo, mas distantes de qualquer coisa. Ela estava sentada de pernas cruzadas, com os braços jogados sobre os joelhos, em um puff quadrado e preto que contrastava com toda a infinidade de branco do quarto. Paredes brancas, chão branco, móveis brancos... Pele branca.
Crua.
Nua.
A janela aberta permitia que a luz pálida e suave do dia lá fora entrasse, e como num sonho, tudo parecia paz. Ela virou a cabeça e ergueu os olhos para o céu lá fora, respirou fundo e devagar com os olhos fechados. Tinha cabelos negros que se moviam com uma sutileza quase não notável, a boca sensível e o nariz arrebitado transmitiam uma fragilidade encantadora.
Passou o dedo fino suavemente sobre a clavícula, observando a sombra que se formava ali. Arrastou a mão até o centro do peito, apalpou-o e então fechou o punho de leve sobre o coração. Ele batia devagar, sentia-se estranho, com uma espécie de vazio que na verdade não estava ali. Ela se sentia preenchida com algum sentimento tímido, que não a fazia sentir nada. Só pensar...
A cabeça agora estava baixa e os olhos ainda fechados. Ela respirava tão devagar que quase não era possível ver seu peito se mexendo. O vento fraco movia uma ou duas mechas do cabelo, tocando-a com ternura, envolvendo-a com o mesmo sentimento neutro que ela sentia dentro de si.
Em um movimento súbito, ela abriu e ergueu os olhos vívidos para o espelho, fitando-se e lembrando das palavras que ouvira mais cedo. Dos lábios que a tocaram antes de dizer adeus. Do abraço apertado que poderia ter acontecido antes de ele dar as costas e partir. Em silêncio, a forma do rapaz sumiu no horizonte, deixando só aquele sentimento indecifrável que ela sentia agora, sentada sozinha em seu quarto, olhando no espelho. Sem saber o que pensar.

O barulho da maçaneta de leve, o ranger da porta abrindo e o perfume que adentrou o quarto a fizeram despertar de um profundo devaneio. Um sussurro de sua boca.
Então...
Olhou para o rapaz através no reflexo a sua frente. Ele estava parado na fresta de porta que abrira, esperando que ela dissesse algo. Foi quando a boca dela moveu-se devagar para falar com a voz distante enquanto fitavam-se no espelho.
Você ainda me ama?


Matheus Menegucci