Ela surgiu
vagarosamente do fundo das águas calmas da larga piscina. Quase não
abriu a boca para tomar folego após um longo tempo debaixo d'água.
Os pulmões se encheram de ar enquanto a visão se preenchia com a
imagem de um homem à beira da piscina, fitando-a com olhos de
partida. Ela apoiou ás mãos na beira, aos pés do rapaz, olhou para
cima tentando decifrar o que seu rosto dizia, mas o sol só lhe
permitia ver sua silhueta.
Ergueu uma das mãos,
para proteger os olhos da luz do sol que, mesmo brilhante, não fazia
do dia menos cinza. Ainda sem poder ver muito bem o rapaz, percebeu o
cigarro entre seus dedos. Cigarro que ele levou a boca e tragou suave
e sem pressa. Após alguns segundos fitando um ao outro, o rapaz
botou-se sobre um dos joelhos e apoiou um dos braços no outro que
ficara levantado. Agora ela podia ver perfeitamente seu rosto. Olhos
castanhos, nada muito surreal ou fora do comum. Barba por fazer.
Cabelo castanho escuro e desgrenhado, que mal se movia com o vento,
mesmo que liso. Trajava roupas sociais, calça e terno marrons. Uma
gravata vinho. Tudo muito pouco chamativo e discreto.
Entreolharam-se por
um instante e na boca dela brotou um sorriso breve e tímido, que
logo se dispersou ao lembrar o motivo de ele estar ali.
– Não tem que ser
assim? – ela disse, com o rosto para baixo, mas ainda olhando para
ele, como se quisesse esconder a expressão ou as rugas que se
formavam no queixo quando segurava para não chorar. – Você sabe
que não.
– Se não tivesse
que ser assim, não seria.
Ela tomou de sua mão
o cigarro, já consumido pela metade. Tragou forte e fundo. Fechou os
olhos por um instante e os reabriu ao soltar a fumaça. Devolveu-o ao
rapaz. Com os rostos ainda mais próximos e com o homem quase caindo
sobre ela na piscina, equilibrando-se, esperavam que algo acontecesse
ou que algum deles dissesse algo. Quem falou foram os olhos dela,
tristes e brilhantes, dizendo: “É sua decisão. Boa sorte.”
Ela deu impulso para
trás e mergulhou mais uma vez. Com os olhos perdidos nas ondas da
piscina, o rapaz esperou um instante antes de se por outra vez de pé.
Olhou ao redor, o cigarro na boca sem fumar. A mulher surgiu
novamente na superfície, agora do outro lado da piscina. Olharam-se
descrentes, neutros e sem dizer nada com o olhar. Ele levou a mão à
boca enquanto tragava pela última vez o cigarro. Jogou o resto ainda
aceso para trás e, olhando para a mulher encostada do outro lado da
piscina, soltou uma rajada de fumaça cinza no ar. Sentiu os dedos
ficarem fracos, e logo as pernas, os braços, o pescoço. O branco
dos olhos começou a escurecer suave e devagar. Então a pele do
canto do rosto também começou a ficar cinzenta. Ergueu uma das mãos
e olhou para ela. Os dedos finos e pretos pareciam se desfazer no ar.
O vento assoprou suavemente mais forte e levou gradativamente todos
os seus dedos. Sentiu que o rosto e todo o corpo, inclusive seu terno
barato, também se desfaziam em cinzas no ar. Abaixou o que restou da
mão e fitou a jovem por uma última vez. Com a voz fraca e rouca,
disse antes de se dissipar por completo em uma grande nuvem negra de
cinzas:
– Bom dia, amor.
Matheus Menegucci