Sniff...
A última fileira de pó
entrou narina abaixo, e naquele momento ele quis estar em casa. Não na casa
onde morava, aquele apartamento caindo aos pedaços que pagava há cerca de seis
meses; ele queria estar em casa; a casa onde nasceu, cresceu... A casa da qual
um dia se esqueceu. Mas acabara de se lembrar. E por um descuido, foi longe
demais. Deixou-se levar muito fácil. Não tomou cuidado com a mente, então
chegou ao fundo... O fundo da memória.
Era como um quarto
escuro; sem paredes, janelas ou chão. Ainda assim, sentia que estava sobre algo
quente e úmido; algo que lhe fazia lembrar sua mãe. “Como era mesmo o nome
dela?”, “Como se isso importasse!”. Ele estava encolhido. Sentia-se fraco e
prepotente; assim como se sentira durante toda sua vida, mas nunca demonstrou
para ninguém além de si mesmo. Talvez por nunca ter tido ninguém. Por nunca ter
sido alguém.
Mas mesmo não tendo
sido alguém, o rapaz foi longe. Notas de cem não eram novidade para os seus
bolsos. Assim como a cocaína não era estranha ao nariz. Mas dessa vez ele
extrapolou, entrou na área escura da mente. O lado que não pode ser visto com
os olhos, mas com o tato.
Então tocou a
superfície na qual se encontrava. Sentiu amor, sentiu-se seguro e quente.
Sentiu como se fosse um menino; Sem medo de aprender, de errar. Sentiu-se
inocente e, por um segundo, quis manter-se assim. Quis ter podido seguir o
caminho certo. Mas ele não podia mais. Ele errou. Seria sempre um homem errado.
—Cadê você, seu merda!
A voz forte e
agressiva seguiu o barulho da porta sendo arrombada com o corpo pesado. Ele
acordou de seu delírio, ainda assim sem lucidez; enxergava tudo aos borrões e
não fazia questão de se mover. Continuou debruçado sobre o pó branco na mesa da
sala.
—Então você acha
bonito não pagar pela droga dos outros, é? —Ecoou a voz.
—Eu não sei quem é
você... —Disse, sem se mexer sobre a mesa, com a voz mole.
—O que? Não sabe quem
eu sou? Olha pra mim, filha da puta!
—Você é minha mãe? Se
não for, pode ir embora... Eu quero minha mãe.
—Sua mãe? Eu vou te
mostrar o caminho para encontrar sua mãe.
—Minha mãe morreu.
—Ótimo!
Não houve muito além
disso. Só o erguer da arma que já estava empunhada, o puxar do gatilho e o “Poow!”.
Nada além.
Só o sangue errado.
Do homem errado.
Na mesa errada.
No esconderijo errado.
Sobre o pó errado.
O caminho errado.
E é tão estranho falar
de si mesmo na terceira pessoa...
BUDDA