sábado, 30 de novembro de 2013

Ao Longe, Só

Foto por Marina Menegucci


De joelhos, ergueu os olhos e viu o sol laranja sobre sua cabeça, pintando todo o céu ao redor de si. Fechou-os, quase cega pela forte luz do sol, assim que algo lhe tocou a face direita do rosto. Levou a mão e sentiu algo se desfazendo entre seus dedos. Era preto e frágil, cinzas do que quer que fosse. Olhou para cima e viu muitas delas caindo leve e devagar; em circulo. Sentiu como se estivesse no olho de um furacão de cinzas calmas.
Olhou ao redor. O asfalto deserto, coberto por destroços do que um dia foram carros. O céu limpo, com nuvens perdidas e sem rumo. Não havia vivalma por ali. Ela apertou as pálpebras enquanto uma mecha do cabelo ruivo caia sobre os olhos, tentando acreditar que aquilo era só um sonho, e que a qualquer momento alguém a acordaria em sua boa e velha cama.
Nada. Levantou-se, os ombros finos já cobertos de cinzas. Ainda de olhos fechados, respirou fundo antes de os abrir e ver o horizonte negro. O que sobre ela era apenas um redemoinho de cinzas, ao longe, no horizonte, se mostrava como uma tempestade de escuridão... Partindo.
O primeiro passo foi lento, mas os seguintes foram ganhando cada vez mais velocidade. Ela queria entender sabe lá o que. Correu atrás da tempestade no horizonte, com determinação, mas não a alcançou, sabia que não alcançaria, correu só pra saber que pelo menos havia tentado. Desistindo, jogou-se de joelhos no chão.
Era tudo muito confuso, muito sem razão de ser. Ela abaixou novamente a cabeça e viu-se então na mesma posição de quando recobrara a consciência. É errado dizer que ela queria uma resposta, pois não sabia nem o que perguntar para o nada em volta de si. Não sabia onde estava, nem o que fazer. Não fazia a mínima ideia de qual era o caminho de casa. Então decidiu partir, cambaleando, na direção em que viera, oposta à nuvem que partia ao longe. Mas, olhando para o chão, não viu outra enorme tempestade negra surgindo no céu já não tão azul à sua frente. Foi.


Matheus Menegucci

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Bioluminescente



Por muito tempo estive lá no fundo, no escuro. Ouvindo só as batidas do coração e o movimento suave da água calma. Se olhasse para cima, poderia ver uma fresta de luz cortando o oceano sobre mim, mas a mesma nunca chegou a me tocar. O ecoar do que quer que fosse ali embaixo me assustava. Podia ouvir, mesmo que muito pouco, o barulho do mundo lá fora; Talvez fossem só minhas lembranças ressoando em minha mente. Não era frio, mas não me aquecia. Era neutro e normal. Sempre.
Se eu já havia pensado em sair de lá? É claro que já. Tentei me mover, nadar pra superfície. E nadei... Nadei e nadei. E quando já não me aguentava mais, percebi não ter saído do lugar. Percebi que aquele mar era mais imenso que meu desejo de sair dali. Percebi que não bastava tentar. Faltava algo. Algo maior que o próprio oceano negro ao meu redor.
Já havia me conformado com a condição de estar ali. Parei de mover as pernas e os braços pra boiar. Deixei o corpo descer eternamente. E não me pergunte como eu fazia pra respirar, pois, durante todo o tempo que estive lá, nunca pensei nisso. De fato, eu não respirava, e foi quando lembrei de respirar que descobri como sair dali.
Fiquei tanto tempo sem o ar, que pensei já não precisar dele. Mas de súbito, num momento calmo e quieto, meus pulmões suplicaram ar, fizeram toda a mansidão do mar se dissipar em uma tempestade dentro de mim. Eu me contorci, o corpo doía sem ar. Tive a sensação de fraquejar, como se meu corpo quisesse dormir. Um estranho ruído constante e sem forma invadiu minha cabeça junto dos meus soluços subaquaticos. Creio que o que me pareceram horas de angústia foram apenas alguns poucos segundos, até que eu desmaiei de olhos abertos, sem forças, afundei ainda mais.
Ainda podia ver, mesmo que minha visão escurecesse pouco a pouco, aquela fresta de luz que, em poucos segundos, sumiu na escuridão. Meus olhos fecharam-se por completo, eu sabia, não havia como voltar.

Mas, no último fio quase morto de esperança, uma luz vermelha atravessou a escuridão do oceano, abrindo-me os olhos. Era eu, brilhando de alguma forma, como um peixe bioluminescente. Senti-me forte e vivo. Senti-me, pela primeira vez, acreditando em mim. Em uma só impulso para cima eu cruzei o oceano, iluminando-o de vermelho. Atravessei a parte negra, a parte azul escura e a parte azul mais clara. Vi a superfície. Vi o céu escuro da noite, ainda debaixo d'água. E então o ar invadiu meus pulmões e eu parei de brilhar. Respirei por bons segundos, acostumando-me novamente com o ar. E então, com um suspiro de cansaço, contemplei a imensidão do céu sobre o mar infinito sob mim. 


Matheus Menegucci