quarta-feira, 5 de junho de 2013

Filho do Ponteiro (O Homem Errado #2)



- Ei, você tem horas?
Disse alguma voz fraca, que mais se parecia um sopro perdido no ar, procurando algo ou alguém; qualquer coisa. Na verdade aquela voz tinha um dono e uma direção, mas os devaneios nos quais eu mergulhava não me permitiram identificá-los de primeira. Quem estava perdido ali era eu; sem dono ou direção, sem passado.
- Amigo – insistiu a voz -, você tem horas ou não?
Acordei de mim. Percebi estar na boca de uma viela, como se estivesse saindo dela. O movimento da cidade à noite ardia à minha frente, mas, atrás de mim, só havia o escuro frio de uma viela quieta. E era de lá que ele me chamava.
Levantei o braço, sem ao menos olhar para a cara do homem que me perguntava as horas, olhei o relógio largo no pulso e disse:
- Sinto muito, deve estar parado.
- Hum! Parado... Mas mesmo assim, de acordo com ele, que horas são?
- Bom, - disse, não entendendo a razão da pergunta – aqui são 14:56.
Ele não me agradeceu, simplesmente balançou a cabeça e voltou para o fundo da viela, onde provavelmente morava; era um indigente sujo e velho, com cabelos grisalhos compridos e barba falhada; deitou-se ao lado de duas latas de lixo.
Virei-me de volta para a rua movimentada um pouco a minha frente. Os carros e as pessoas pareciam andar rápido demais. Ainda assim, sempre que alguém passava muito perto ou olhava para mim, eu sentia o mundo ficar devagar, como em câmera lenta. Creio que não estava sujo, mas me sentia assim. Usava um terno cinza e carregava uma maleta marrom na mão esquerda. Não sei o porquê, mas em nenhum momento me perguntei o que estava fazendo ali, como chegara ali, nem de onde havia vindo.
Ele estava atrás de mim de novo.
- Você tem um cigarro.
- Não, eu não...
- Não foi uma pergunta. Você tem um cigarro.
- Han? Eu não tenho um cigarro.
- Olhe entre seus dedos, você tem um cigarro!
Por que eu tinha um cigarro? Nunca fumei. O mais impressionante é que ele estava aceso e, ao que parece, já havia sido fumado pela metade. Uma fina fumaça emanava dele, até tocar meu nariz. Incrível! Eu sempre achei o cheiro da fumaça do cigarro insuportável, mas agora me parecia um tanto quanto agradável; Acalmava os nervos.
- Tudo bem, eu tenho um cigarro. Mas e daí? Você quer?
- Seria uma grande gentileza! - Disse, com um sorriso torto na boca - Eu adoro fumar a tarde.
- Mas não estamos mais a tarde.
- Bom, seu relógio me disse que estava de tarde. Então que assim seja.
- Tudo bem, fique com você. - Lhe entreguei o cigarro e, antes que fosse embora outra vez, eu disse – Espera! Toma, fique com o relógio também.
Já ia tirando o grande relógio que me pesava o braço, quando ele interrompeu.
- Não, não... Esse relógio é seu. Ele te diz algo. Você só precisa escutar.
- Escutar o relógio?
- Sim, meu amigo! Acredite, faz mais sentido do que você imagina.
- Tudo bem então...
Outra vez, o mendigo foi para sua “cama” no escuro daquela viela.
Outra vez, fiquei sozinho ali.
Olhei pro relógio de novo: 14:56. Estava parado. Talvez tenha acabado a pilha ou simplesmente parado de funcionar. Mas o mais intrigante é que, mesmo estando parado, quando ergui o pulso ao ouvido para “ouvir o relógio”, pude escutar:
             TIC TAC, TIC TAC, TIC TAC...


BUDDA