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Ei, você tem horas?
Disse alguma voz
fraca, que mais se parecia um sopro perdido no ar, procurando algo ou alguém;
qualquer coisa. Na verdade aquela voz tinha um dono e uma direção, mas os
devaneios nos quais eu mergulhava não me permitiram identificá-los de primeira.
Quem estava perdido ali era eu; sem dono ou direção, sem passado.
- Amigo – insistiu a
voz -, você tem horas ou não?
Acordei de mim.
Percebi estar na boca de uma viela, como se estivesse saindo dela. O movimento
da cidade à noite ardia à minha frente, mas, atrás de mim, só havia o escuro
frio de uma viela quieta. E era de lá que ele me chamava.
Levantei o braço, sem
ao menos olhar para a cara do homem que me perguntava as horas, olhei o relógio
largo no pulso e disse:
- Sinto muito, deve
estar parado.
- Hum! Parado... Mas
mesmo assim, de acordo com ele, que horas são?
- Bom, - disse, não
entendendo a razão da pergunta – aqui são 14:56.
Ele não me agradeceu,
simplesmente balançou a cabeça e voltou para o fundo da viela, onde
provavelmente morava; era um indigente sujo e velho, com cabelos grisalhos
compridos e barba falhada; deitou-se ao lado de duas latas de lixo.
Virei-me de volta para
a rua movimentada um pouco a minha frente. Os carros e as pessoas pareciam
andar rápido demais. Ainda assim, sempre que alguém passava muito perto ou
olhava para mim, eu sentia o mundo ficar devagar, como em câmera lenta. Creio
que não estava sujo, mas me sentia assim. Usava um terno cinza e carregava uma
maleta marrom na mão esquerda. Não sei o porquê, mas em nenhum momento me
perguntei o que estava fazendo ali, como chegara ali, nem de onde havia vindo.
Ele estava atrás de
mim de novo.
- Você tem um cigarro.
- Não, eu não...
- Não foi uma
pergunta. Você tem um cigarro.
- Han? Eu não tenho um
cigarro.
- Olhe entre seus
dedos, você tem um cigarro!
Por que eu tinha um
cigarro? Nunca fumei. O mais impressionante é que ele estava aceso e, ao que
parece, já havia sido fumado pela metade. Uma fina fumaça emanava dele, até
tocar meu nariz. Incrível! Eu sempre achei o cheiro da fumaça do cigarro insuportável,
mas agora me parecia um tanto quanto agradável; Acalmava os nervos.
- Tudo bem, eu tenho
um cigarro. Mas e daí? Você quer?
- Seria uma grande
gentileza! - Disse, com um sorriso torto na boca - Eu adoro fumar a tarde.
- Mas não estamos mais
a tarde.
- Bom, seu relógio me
disse que estava de tarde. Então que assim seja.
- Tudo bem, fique com
você. - Lhe entreguei o cigarro e, antes que fosse embora outra vez, eu disse –
Espera! Toma, fique com o relógio também.
Já ia tirando o grande
relógio que me pesava o braço, quando ele interrompeu.
- Não, não... Esse
relógio é seu. Ele te diz algo. Você só precisa escutar.
- Escutar o relógio?
- Sim, meu amigo!
Acredite, faz mais sentido do que você imagina.
- Tudo bem então...
Outra vez, o mendigo
foi para sua “cama” no escuro daquela viela.
Outra vez, fiquei
sozinho ali.
Olhei pro relógio de
novo: 14:56. Estava parado. Talvez tenha acabado a pilha ou simplesmente parado
de funcionar. Mas o mais intrigante é que, mesmo estando parado, quando ergui o
pulso ao ouvido para “ouvir o relógio”, pude escutar:
TIC
TAC, TIC TAC, TIC TAC...BUDDA