terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Querida Clara,



Nota encontrada junto do corpo de um dos operários vitima do incidente na mina 07-182:


Querida Clara,
                Esses últimos dias têm sido conturbados. É provável que esta carta nunca chegue ao seu conhecimento, mas, caso você a receba, quero que saiba que não há com o que se preocupar, uma vez que, querendo ou não, já não há muito o que fazer para ajudar. Na verdade, creio já não haver nada.
                Lembra daquela tarde fria de outono quando te levei ao parque? Quanto tempo faz? Uns sete anos? Bom, isso não importa. O que importa é que, neste exato momento em que escrevo, sinto-me da mesma maneira que nos sentimos aquele dia. Há um pouco de água fria e corrente passando pelos meus pés, exatamente como naquele dia; há também um silêncio que nunca muda, como o do parque àquela época do ano; e por fim, há uma foto sua deitada ao lado do meu corpo. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual decidi escrever para ti. Talvez por eu já não me lembrar de mais ninguém.
                Não sei o que te aconteceu depois daquele dia, nunca mais te vi, nunca mais conversamos. Talvez tenha se casado, tido filhos que não se parecem nenhum pouco com você. Talvez tenha ficado louca assim como eu, afinal, era esse nosso plano. Mas talvez tenha seguido outros caminhos. Talvez tenha largado a faculdade, começado a se drogar. Talvez tenha simplesmente arranjado um emprego comum na loja de sua tia. “Qual era mesmo o nome dela?” Você sempre a mencionava e eu sempre me esquecia.
                Pois é! As coisas mudam muito rápido. Quando comecei a escrever, disse que me sentia como naquele dia no parque. Mas não mais. Agora sinto muito frio. Tanto frio que faz meus lábios tremerem. Sinto como se o sangue em minhas veias tivesse se tornado gelo, sinto-o correr devagar. Sinto cada batida do peito perdendo o ritmo. Não posso mexer as pernas, pois estão presas por uma enorme rocha. Onde eu estava com a cabeça quando vim para cá buscar respostas sobre eu mesmo? É o fim!
                Se um dia chegar a ler esta carta, quero que saiba que cada uma das batidas fora do tempo que meu coração deu nesses meus últimos suspiros foi para ti. Sinto-o como se estivesse mastigando o sangue e tossindo. Quero que saiba que nunca esqueci nosso único dia juntos. E foi nesse dia que pensei antes de desfalecer sobre estas rochas geladas e escuras.

                                Com Carinho,

                                               Jonas 



Matheus Menegucci

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Octopus





                Meu quarto é tão escuro. E ainda assim me causa dor na vista, cansaço. Vejo os quatro cantos e paredes imersos nessa escuridão, mas eu, sentado em uma cadeira no centro, estou iluminado. O único ponto de luz em meio a tanto escuro sou eu. Não que eu brilhe, ou algo do tipo. “Talvez isso seja um sonho!” A luz está apagada, mas o centro do quarto está iluminado. Iluminado com alguma forma de luz sobrenatural que não provém de lugar nenhum. “Estranho!”
                E o que faço aqui? Sentado nesta cadeira olhando para frente sem ver nada. Nem minhas memórias posso ver, só o escuro. Onde está a porta? E as janelas? Por que digo que aqui é meu quarto? Uma vez que não vejo nada além de um simples pedaço do chão que, por sua vez, nem se parece com o do meu quarto.
                Pisco tão devagar quanto meu estado sonolento permite. Sinto descer uma gota fria de suor da minha testa. Algum som misterioso parece estar vindo detrás de mim. Parece som de água, som do fundo do mar. Som de vida. Mas não é bom. Soa-me um tanto quanto predatório.
                No mesmo ritmo calmo e sonolento, algo estranho acontece. Vejo duas coisas estranhas saindo do escuro atrás de mim. São pontiagudas, molhadas e grossas. Sem falar das ventosas que abrem e fecham. São enormes. Dois tentáculos negros, inicialmente, que logo se revelam quatro. Um deles me toca o ombro, é frio e mole, mas, parece ser bastante forte. Logo vejo uma multidão de oito tentáculos, ou devia dizer braços, tocando em mim, massageando-me. Fazendo um, aparentemente, dócil carinho. Talvez me estudando. Tocando meu corpo.
                Mesmo que frios, ele aquecem minha solidão, sinto-me como se fosse um deles. Mas não, eu sou a presa. E sei disso porque os tentáculos que antes me acariciavam, agora estão enrolados em mim, firmemente, não me deixam mover. E quebrando todo o ritmo da cena, eles me puxam veloz e ferozmente para o escuro. Só posso ver o ponto iluminado diminuir enquanto sumo na escuridão de tentáculos negros.
                Sufocado.
                Devorado.


BUDDA