sábado, 31 de março de 2012

Dan e o Ventríloquo

Dan e o Ventríloquo

       Dan não tinha medo do escuro, sentia-se bem ouvindo o som de sua própria respiração, e as vezes, podia ouvir a respiração de seus brinquedos, ele sabia que era fruto de sua imaginação, crianças têm imaginação fértil, mas Dan tinha a imaginação fértil demais, inclusive para uma criança de uns sete anos. Talvez por algum dos vários traumas que sofrera no seu curto passado, Dan não dormia, cochilava as vezes à tarde, mas nunca dormia a noite, era obrigado a ouvir seus pensamentos assustadores falarem mais alto que o próprio silencio, mas o que uma criança pensaria de tão assustador? O que Dan pensava era, digamos assim, quase indescritível.
        Dan não tinha pai, mãe ou irmãos, viva com seus tios em uma casa isolada no meio do nada. A casa ficava em uma região alta, cercada por uma leve neblina, Dan amava o frio. Sua tia Marta o maltratava, já seu tio Jô, fazia de tudo possível para agradá-lo. Eles eram pobres, os poucos brinquedos que Dan tinha eram de pano ou madeira, feitos por ele ou por seu tio.
        Manhã de terça, Dan brincava com seus brinquedos velhos, tinha acordado ás cinco da manha, e estava brincando desde então, já era quase meio dia e ninguém estava em casa, na verdade, raramente alguém ficava em casa. Dan não se cansava de brincar, até que um barulho, não muito alto, mas notável, veio do porão, "Nunca vá no porão." Dan lembrou de seu tio dizendo, então continuou a brincar, ignorando o barulho, mas tarde, Dan pôde ouvir o barulho de novo, mas dessa vez foi realmente alto, e repetiu, Dan estava muito curioso   e, desrespeitando o aviso de seu tio, ele foi ver o que estava lá no porão. Ele se aproximou da porta do porão,  lentamente ergueu sua pequena mão para a maçaneta, girou lentamente, a porta se abriu, a unica coisa que Dan enxergou foram os primeiros degraus de uma escada, o resto do porão estava imerso na escuridão, ele desceu as escadas vagarosa e corajosamente, quando se perdeu na penumbra ele se sentiu em casa. No escuro ele prendeu a respiração, pôde ouvir mais alguém respirando, mas, parecia estar ligeiramente com falta de ar:
       -Quem está aí? Tem alguém aí?
       Dan perguntou sem obter resposta, procurou o interruptor, após ficar alguns segundos procurando, encontrou, a luz se acendeu e causou uma pequena dor em seus olhos que já haviam se adaptado com o escuro, quando se acostumou com a luz, pode ver o ser que estava respirando com dificuldade, não era humano, na verdade, se parecia com um, mas era uma especie de boneco de ventríloquo, estava sujo, mas estava em perfeitas condições, sim, aquilo estava vivo. Foi um dos poucos momentos em que Dan sentira um pouco de medo, e para piorar a situação, o boneco falou com a voz rouca e seca:
        -E aí amiguinho, como é que vai?
        Dan estava tremulo e sem palavras.
        -Ei, não tenha medo, eu sou amigo- Disse o ventríloquo- E além disso eu não estou em condições de machucar ninguém.
        -Quem é você?-perguntou Dan.
        -Meu nome é...-Ele tossiu e continuou- Meu nome é Valério, que dizer, esse era meu nome, era assim que eu conhecido antes de me jogarem lá.
        -Lá aonde?
        -Lá.
        O boneco ergueu um de seus braços e apontou para uma caixa de madeira enorme jogada no chão.
        -E por que te puseram lá?
        -Digamos que eu desrespeitei meu mestre.
        -Desrespeitou como?
        -Bom, isso não é importante agora.
        -Então Sr. Valério- Dan já não estava com medo- Como eu poderia ajudá-lo?
        -Digamos que eu precise de...
        Valério disse uma serie de itens que precisaria para consertar uma de sua  pernas de plastico que estava quebrada, e por fim ele disse:
         -Não diga a ninguém que eu estou aqui.
         Uma semana havia se passado, Valério já havia consertado sua perna, Dan ia lá embaixo todos os dias conversar com Valério, eles passavam horas conversando sobre tudo, quando Dan ouvia seus tios chegando, ele subia as escadas correndo, fechava a porta do porão e ia para seu quarto, tia Marta e tio Jô nem desconfiavam.
        Um dia, enquanto Dan e Valério conversavam e brincavam, Valério perguntou "inocentemente":
        -Dan, meu amigo, e seus tios? O que você me diz sobre eles?
        -Por que você quer saber?
        -É que você sempre menciona eles, e as vezes eu escuto vocês daqui de baixo.
        -Bom, minha tia é uma vaca, e meu tio é legal.
        -Hum, parece que as coisas não mudaram muito- Disse o boneco em um tom quase inaudível.
        -O que você disse?
        -Nada não, só estava pensando alto.
       Os dias passaram, Valério nunca mais falou nada sobre os tios de Dan, mas com o passar dos dias, tia Marta e tio Jô começaram a agir estranho, o tio já não o agradava. Um dia, Dan desceu ao porão, "Onde ele está?" Valério não estava lá, Dan revirou o porão e não o encontrou. Revoltado por não ter encontrado Valério, Dan decidiu perguntar ao seu tio:
       -Tio Jô, onde está o boneco do porão?
       -Hum, então você me desrespeitou- O tio era frio em seu tom- Não se lembra do que eu disse sobre ir no porão?
       -Bem...-Dan não sabia o que dizer- é que eu...
       -Sabe o que acontece com quem desrespeita as ordens minhas e de sua tia?
       -Não...
       -Venha comigo jovem.
       Tio Jô puxou o garoto pelo braço até sua caminhonete, ligou o carro e começou a dirigir:
       -Onde o senhor está me levando?
       -Cale a boca, a gente ta quase chegando.
       Após alguns minutos, ele chegaram, um enorme galpão velho era unica coisa que Dan podia ver. O tio saiu da camionete puxando o sobrinho pelo braço, sendo arrastado contra sua vontade para o galpão, Dan pôde ver sua tia na porta esperando por eles, pararam na porta, o tio se dirigiu à tia:
       -Está tudo pronto?
       -Sim
       Então eles entraram, o tio Jô prendeu Dan à uma mesa metálica, Dan gritava e pedia para tirarem-no de lá, após relutar muito ele se acalmou, olhou para o lado, na parede do galpão escuro e imundo, estavam pendurados dezenas de bonecos de ventríloquo, entre eles estava Valério, que lentamente balançou a cabeça como quem diz:"Que decepção!", Dan só pode ver um taco de madeira vindo em sua direção antes de ele apagar.
        Uma caixa grande e escura, o sacolejar, e de repente a caixa é jogada no chão, um novo boneco de ventríloquo, a porta do porão é trancada, a caixa, o frio, o escuro, a solidão, Dan, o ventríloquo, estava em casa.

                                                      Ventríloquo

Budda - @MatheusLecter