domingo, 2 de setembro de 2012

O Leito



        Só sei que naquela manhã, ainda cedinho, alguém disse que ele havia morrido. Fazia um bom tempo que estava moribundo, lutando o máximo contra a morte, silenciosamente. As vezes saia na rua, corcunda , sempre se segurando em alguém, sempre devagar. Era estranho vê-lo andando, de alguma forma minha mente já havia se acostumado a vê-lo sempre sentado em sua poltrona na varanda de sua casa. De alguma forma, eu não conseguia aceitar que um velhinho tão esguio e aparentemente fraco seria tão forte a ponto de ficar tanto tempo vivo.
        Não sei ao certo o que ele teve, talvez tenha sido uma doença. Talvez só velhice. Não faço a minima ideia de que idade ele tinha. Era baixinho, cabelos ralos e brancos, muito brancos, pele enrugada. Sua voz ainda ecoa em minha cabeça, mesmo que sem dizer uma palavra sequer. Lembro perfeitamente de quando ficávamos no banco ao lado de sua casa - naquela época em que ele e meu avô ainda eram amigos, não sei o que aconteceu para deixarem de ser - Ficávamos falando sobre tudo, sobre as coisas da vida dele na maior parte, até porque eu era só um garotinho, ainda não tinha vivido nada. Falávamos sobre musica, as vezes. Da minha casa, eu podia ouvi-lo arranhando, muito mal arranhado, alguma coisa no violino. Ficava horas tentando fazer alguma coisa decente em meio a notas desafinadas e fora do tempo. Mas eu gostava de ouvir, de algum modo a musica sempre me trouxe paz, mesmo que estivesse levando paz a outro. E então, naquela bela manhã de sol, "Ele morreu."
        Fico tentando imaginar, entre cenas e mais cenas, como teria sido a morte dele. Talvez ele tenha morrido ao dormir. Talvez tenha tossido até a garganta doer. Talvez tenha só fechado os olhos por um minuto e... Mas a minha versão preferida é a de que ele, deitado em sua cama ou sentado em sua poltrona, coberto por um cobertor, sentiu que era a hora, estava cansado de resistir, não disse nada, só relaxou o corpo, fechou lentamente as pálpebras e ficou pensando - se é que ainda tinha condições de pensar -, esperando a morte vir, respirando lenta e dificilmente, aceitando o toque frio, porem aconchegante da morte. Não se despediu, só reviveu todas suas lembranças, inclusive os momentos em que ficamos conversando no banco amarelo, e então já não estava presente, partiu, quieto, sem magoas.
        Realmente, ele não era uma pessoa próxima de mim, era o tipo de pessoa que esta sempre na casa de sua avó nos dias de festa, mas não uma pessoa que signifique algo. Mas de alguma forma, ele fez parte da minha infância, mesmo que somente com um simbolo, uma imagem. Vez vilão, vez mocinho. E da mesma forma, achei que ele nunca morreria, talvez por ter sido uma imagem, achei que tal imagem nunca se dissiparia, mas se desfez. Só ficou um sentimento vazio, mas que ao mesmo tempo não consegue ser triste, só vazio, e neutro. É estranho. Estranho aceitar que o violino nunca mais vai desafinar, que a imagem dele ali na poltrona na varanda não mais existirá de forma física, só mental, que essas pequenas coisas quase que insignificantes nunca mais me rodearão. Mas de qualquer forma, depois de tudo isso, depois de todos os pêsames e pesares... "Descanse em PAZ!"

Budda


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