sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O Pé Esquerdo



        Do portão, ela observava a casinha cinza. Cercada por uma cerca branca. A pintura descascada. As flores secas no jardim. Uma única janela aberta, a mais alta, que ficava no segundo andar. Era uma casa, digamos assim, estreita. Era alta e fina. O telhado formava um grande triangulo sobre a janela que estava aberta. A casa era cinza. O dia era cinza. A grama ainda era verde. Mas o verde não era “o verde”.
        Com as mãos magras, ela empurrou o pequeno portão, que rangeu feito um choro rouco. O primeiro passo foi lento, o segundo também, andava de forma meio desengonçada, mas sem deixar de ser elegante, trajava vestido preto e um véu marrom sobre a cabeça. Ela era enorme. O pé esquerdo tocou o primeiro de três degraus da entrada da casa. Logo tocou o segundo. E para que pudesse pisar com o pé esquerdo no tapete de entrada da casa, pulou o terceiro degrau. Estava ali, com a cara na porta, ergueu lentamente a mão pálida até a campainha, não tocou, preferiu bater na porta... “TOC TOC TOC...” Não houve resposta. Que para ela soava com “Entre”. Girou a maçaneta e entrou. A sala estava perfeitamente arrumada, uma organização de se admirar. Procurou com os olhos, sem sair do lugar, pelo primeiro piso, não havia ninguém. O que não era de se admirar, ela já sabia que Estella estava em seu quarto, no andar superior, o quarto com a janela aberta. Os passos na escada foram lentos, suaves e barulhentos. Deslizou a mão suave e elegantemente pelo corrimão de madeira. Um belo sorriso apareceu em seus lábios quando olhou para o chão e percebeu que seu pé esquerdo tocara no segundo piso antes do direito. Caminhou em direção ao quarto, mas em seu caminho havia um espelho, como já era de se esperar dela, parou para ajeitar o cabelo e alguns detalhes da roupa. A porta do quarto de Estella estava entreaberta, uma luz suave e agradável vinha de lá. A luz do dia. Empurrou a porta. Uma poltrona virada para a janela, a cabeça grisalha de Estella sobressaía. O pé esquerdo invadiu o quarto. O direito entrou e parou ao lado. Estella estendeu a mão para bater o ultimo cigarro no cinzeiro. Tossiu. A grande mulher se aproximou ainda mais lentamente e pousou a mão esquerda sobre o ombro direito de Estella.
        Ficaram ali por um tempo, as duas olhando a rua vazia, as flores secas, as rachaduras do chão lá fora. Depois de algumas horas, quando o céu já estava laranja, eles se olharam. Estella se levantou. De braços dados, desceram as escadas. Saíram de casa com o pé esquerdo. Caminharam pelo asfalto deserto até sumirem no horizonte. Mesmo com a guerra ardendo, a morte não teve a mínima pressa em levar uma velha amiga. Como sempre, fez seu trabalho calmamente. Como sempre, fria e carinhosa.

Budda

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