quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Sopa

A Sopa

        O apartamento cinzento de quatro cômodos era realmente bem apertado, úmido e desconfortável. O marido assistia ao jornal na pequena televisão mal sintonizada, já a mulher estava na cozinha, preparando o jantar. Na verdade a cozinha e a sala onde o homem estava eram o mesmo cômodo, separados apenas por um pequeno balcão que eles usavam como mesa. Havia uma enorme infiltração no teto, a luz fluorescente amarelada vinda de uma lampada encardida dava dor nos olhos inicialmente, mas logo se acostumavam, eram pobres de dinheiro e pobres de espirito, eram pobres de vida.
        Do cômodo onde estavam, era possível ouvir o choro de seu filho retardado (Já me desculpando pelo uso do termo), os gritos infantis sovam de uma maneira tão estridente e irritante, o homem, que fumava seu cigarro enquanto assistia a televisão, estava ficando impaciente e nervoso.
        -Por que que esse merdinha não cala a boca?- Esbravejou.
        A mulher fingiu não ouvir o que o boçal do seu marido havia dito, simplesmente continuou a picar os legumes e colocá-los na sopa. A criança continuou com seu choro "demoníaco", o pai, que já estava extremamente nervoso sem poder ouvir uma unica palavra do seu jornal, levantou-se e foi ao quarto do bebê, a mulher só ouviu o som das palmadas e dos gritos abafados.
        -Cala essa boca seu merda! Você nem ao menos é humano! Eu não gosto de você, Deus não gosta de você...
        A mulher só mordeu os lábios e segurou as lagrimas, sabia que se questionasse o marido estaria morta, ou em um estado bem próximo à morte. O marido voltou, olhou com os olhos e o rosto vermelhos de raiva para a mulher, que estava forçando uma expressão neutra. Ele se sentou novamente no sofá e voltou a assistir o jornal, a criança ainda chorava, porém mais baixo, o pai batera tão forte que não restara muitas forças para chorar.
        A mulher, que ainda preparava o jantar, deixou que uma lagrima escapasse, e em seguida outra, lagrimas que caíram na sopa, foi então que ela tomou coragem e abriu a boca:
        -Amor... -Disse enquanto arrastava a mão para uma faca- Vem aqui experimentar a sopa!

        E lá estavam, a mãe suja de sangue e o filho deficiente, tomavam a sopa com uma vontade que dava gosto, sopa que por sua vez estava deliciosa, a mãe comia um pouco, dava mais um pouco na boca da criança, que comia com prazer, o sabor, o aroma, a sopa estava ótima. A mulher olhou para baixo e viu o corpo do pai, faltava um membro, mas ainda era o suficiente para fazer sopa pelo resto do mês.

Budda
     

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