Meu
fogão tem quatro bocas. Quatro malditas bocas que não param de tagarelar por um
instante. Conversam sobre o tempo, sobre o jornal, sobre a violência que mais uma
vez assola a cidade. Conversam até mesmo de política. Quatro bocas que não se
calam.
Digo
“meu fogão”, porque hoje sou seu dono, mas nem sempre foi assim. O tal fogão
pertencia a minha falecida avó, provavelmente é daí que vem tamanha falação. Eu
pensei que ficaria aliviado quando ela morreu, pensei que ficaria em silêncio.
Mas foi só a velha desfalecer que as quatro bocas, antes caladas, começaram a
falar.
“Ei,
Você não vai ao trabalho?”
“Idiota,
você ta atrasado!”
“Você
devia ter um emprego melhor!”
“Devia
arrumar uma namorada!”
“Devia
parar de fumar maconha!”
“Devia
ser alguém na vida!”
“Você
devia sair!”
“Devia
tomar um pouco de sol!”
“Devia
se alimentar”
“Devia
parar com os remédios!”
“Antidepressivos!”
...
Meu
fogão tinha quatro bocas que em nenhum momento se calavam. E digo que tinha,
pois hoje não tem mais.
Meu fogão hoje é tralha
jogada no quintal.
Quatro
bocas não me irritam mais.
Quatro
bocas não se falam mais.
Quatro
bocas não amolam mais.
Quatro
bocas me deixaram, enfim, em paz.
Calaram-se
Calei-me
BUDDA
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