quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Quatro Bocas Inquietas



                Meu fogão tem quatro bocas. Quatro malditas bocas que não param de tagarelar por um instante. Conversam sobre o tempo, sobre o jornal, sobre a violência que mais uma vez assola a cidade. Conversam até mesmo de política. Quatro bocas que não se calam.
                Digo “meu fogão”, porque hoje sou seu dono, mas nem sempre foi assim. O tal fogão pertencia a minha falecida avó, provavelmente é daí que vem tamanha falação. Eu pensei que ficaria aliviado quando ela morreu, pensei que ficaria em silêncio. Mas foi só a velha desfalecer que as quatro bocas, antes caladas, começaram a falar.
                “Ei, Você não vai ao trabalho?”
                “Idiota, você ta atrasado!”
                “Você devia ter um emprego melhor!”
                “Devia arrumar uma namorada!”
                “Devia parar de fumar maconha!”
                “Devia ser alguém na vida!”
                “Você devia sair!”
                “Devia tomar um pouco de sol!”
                “Devia se alimentar”
                “Devia parar com os remédios!”
                “Antidepressivos!”
...

                Meu fogão tinha quatro bocas que em nenhum momento se calavam. E digo que tinha, pois hoje não tem mais.
     Meu fogão hoje é tralha jogada no quintal.
     Quatro bocas não me irritam mais.
     Quatro bocas não se falam mais.
     Quatro bocas não amolam mais.
     Quatro bocas me deixaram, enfim, em paz.
                Calaram-se
                Calei-me


BUDDA

Nenhum comentário:

Postar um comentário