quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mortos e Quietos


Mortos e Quietos

        O ralo do banheiro exalava um odor repugnante, Laura, oito anos, passava mal ao sentir aquele odor horrível, ainda se perguntava por que sua avó nunca lavava o banheiro, ou mandava alguém desentupir aquele ralo nojento.
        -Vovó, por que o papai ainda não voltou?
        -Ora, pequena Laura, ele está morto. –A avó respondeu de um modo tão frio e inocente, sem perceber.
        -Mas a mamãe disse que ele voltaria.
        -Como ela pode ter dito, se ela também está morta? –A velha era inexpressiva e olhava em direção ao nada.
        -Mas, quando ele saia ela sempre dizia que ele voltaria. –Laura afirmava tão inocentemente, nem reagia ao ouvir a avó dizer que seus pais estavam mortos.
        -Laura... Deixe a vovó tricotar em paz.
       Laura se calou e saiu da sala.

       A casa era escura e cheia de infiltrações e goteiras, era tão úmida e fétida, era possível perceber uma leve camada de musgo crescendo no canto das paredes acinzentadas, alguns insetos criavam ninhos e populações nas enormes rachaduras das paredes, Lagartixas vagavam pelo teto aos montes, e casulos de mariposa eram comuns embaixo de mesas, cadeiras e moveis. Laura não se importava em viver naquelas condições, gostava do frio e da umidade, gostava ainda mais de viver em contato com os bichos, adorava insetos e repteis. Sua avó, não se importava com nada, desde que todos morreram, ela só ficava sentada naquela poltrona suja e desconfortável, só levantava para ir comer, e mesmo assim, comia uma única vez ao dia, e inevitavelmente, a comida estava acabando, nenhuma das duas se prontificava a ir comprar algo, de qualquer modo, não havia sobrado dinheiro. Laura, que era apaixonada pelos insetos, não se importava em ter de comê-los, adorava o gosto, adorava sentir suas entranhas descendo por sua garganta.
        -Vovó, e o vovô? Faz tempo que não o vejo.
        -Ah! –Suspirou- Seu avô, aquilo era um homem bom.
        -Mas onde ele está- era estranho, ela realmente não sabia.
        -Laura, Laurinha, Laurete –Soltou uma risadinha rápida e ficou seria- Ele também morreu, assim como seus tios, primos e irmãos.
        Laura não se comoveu, continuou fria como sua avó.
        -Então com quem eu vou brincar?-Resmungou.
       - Ora, brinque com eles, vá lá e mostre seus bichinhos para todos eles- Vovó tira uma grande chave do bolso e dá à Laura- Mas vá rápido que já está tarde.

        O grande quintal estava coberto de mato e tralhas de seu avô, a grama era saudável, verde e alta, umas duas vezes o tamanho de Laura. No fundo do quintal era possível ver a casinha onde seu avô fazia moveis de madeira, e lá estava Laura tentando a alcançar o cadeado que prendia as grossas correntes, “Droga!” ,ela não alcançava, parou, pensou, olhou ao seu redor, “É isso!”, ainda bem que seu avô guardava todas aquelas tralhas. Arrastou um grande e pesado motor enferrujado de carro até a porta, subiu e destrancou a oficina do vovô, entrou, estava radiante, seu rostinho sumia no escuro, mas era possível ver seus olhos brilhando de alegria, estavam todos lá, Papai, Mamãe, o irmãozinho que ainda nem saíra de sua mãe, os dois primos, o tio e a tia, eram lindos, sem olhos, pálidos e putrefatos, Laura ficou horas brincando, ignorando o aviso da avó para que voltasse cedo.
        
         No dia seguinte, Laura voltou à oficina, sua roupa estava suja de sangue seco, uma notável pintura vermelha em seu vestido branco, Laura se sentou entre a mamãe e o papai, começou a brincar inocentemente, mamãe virou e olhou para ela:
        -Cadê a sua avó?- Estava brava.
        -Ah! A Vovó –suspirou- aquilo era uma mulher.
        -Mas onde ela está?- Perguntou mamãe, inpaciente- Diga.
        -Acalme-se mamãe- Disse Laura com um tom irônico- Ela esta lá dentro, morta e sem olhos como vocês, mas eu sou muito pequena para trazê-la, não se esqueça que foi ela que me ajudou a trazer vocês aqui, agora eu não tenho mais ninguém para me ajudar, vocês vão ter que esperar um pouco para brincar com ela.
    
       Pobre Laura, tão pequena, tão insana, personalidade dupla, esquizofrenia, tão voraz com insetos, tão hábil para matar, uma artista, das mais raras. E agora, o que faria, estava só, com seus insetos, sua casa úmida e os olhos de seus parentes, no fundo ela sabia, era hora de exibir sua arte para o mundo.

BUDDA

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